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Dono dos sucessos “Partilhar” e “Quando bate aquela saudade”, o carioca Rubel ficou conhecido como “o cara que faz músicas para chorar”. Mas, por um tempo, esse rótulo lhe causou certo
desconforto. Ele queria que o público também percebesse seu lado mais racional. “Me incomodou, em algum momento, as pessoas me associarem a algo sentimental demais”, conta. Depois de “As
palavras” (2023), em que se aventurou a misturar diversos ritmos brasileiros, o artista se reconcilia com a emoção no novo álbum, “Beleza. Mas agora a gente faz o quê com isso?”. “Fiquei à
vontade para aceitar que agora posso querer ficar em posição fetal, chorar e fazer as pessoas chorarem comigo”, brinca. “Precisei sair para poder retornar a um lugar meu. Precisei ir para o
mundo para conseguir voltar para casa”, diz. O trabalho tem predomínio da voz e violão e traz rastros dos primeiros discos de Rubel, “Pearl” (2015) e “Casas” (2018), mas ele não volta igual.
Agora, se sente mais livre para compor canções introspectivas sem medo de parecerem menos valiosas. VIOLÃO DE JOÃO GILBERTO “Quero fazer música de amor que as pessoas possam usar nos seus
relacionamentos, nos seus casamentos”, diz. Retorna também mais consciente da tradição da música brasileira, sobretudo dos anos 1960 e 1970. O violão, por exemplo, carrega referências
diretas a João Gilberto (1931-2019). Íntimo e com forte unidade estética, “Beleza...” é, nas palavras de Rubel, como um quebra-cabeças cujas canções se encaixam para formar uma coisa só. “É
como se fosse um lugar físico. Quando você dá o play, aquele lugar se apresenta e você pode simplesmente ficar ali dentro”, afirma. Leitor desde a infância, quando ganhava livros do pai que
morava fora e, a cada visita, trazia um novo título, Rubel cultiva uma relação antiga com a literatura. Em sua lista de autores favoritos figuram Rubem Fonseca e Valter Hugo Mãe, ambos
citados no disco, nas canções “Praticar a teimosia” e “Noite de réveillon”, respectivamente. Também estão no pódio do cantor João Ubaldo Ribeiro, Gabriel García Márquez e Jorge Amado. Rubel
abre o disco cantando os versos “tenho tanto pra viver / temo que o tempo não dá”, reflexo de uma cirurgia de última hora, feita em 2023, para tratar um sopro no coração e que mudou a
percepção do artista sobre a vida. “A forma como eu me entendo no mundo é pela palavra. É meu canal de comunicação, a forma de orientar minha existência. Na composição das letras, eu quis
deixar o meu inconsciente jorrar qualquer coisa que viesse sem muito julgamento. É uma escrita com aspecto de fluxo de consciência, muito espontânea e visceral”, comenta. O título, “Beleza.
Mas agora a gente faz o quê com isso?”, soa estranho ao primeiro contato e foi exatamente essa a intenção do artista. “Fiquei pensando em frases que tivessem o impacto de serem esquisitas e,
ao mesmo tempo, despertar curiosidade”, explica. “Quando cheguei nessa frase, ela me pareceu certa.” Para ele, a provocação ajuda a dar o tom do disco. Ele conta que os versos e melodias
surgiram de forma muito natural, em aproximadamente um mês. O grande desafio foi encontrar o tom da produção que captasse a alma das canções. Produzido em casa por Rubel, com ele tocando
violões, baixos e baterias, o álbum ganha robustez com a participação de uma orquestra composta por 22 músicos de corda e mais 10 metais, que surge ao final da maioria das faixas. Os
arranjos são de Henrique Albino. Foram muitas tentativas até Rubel sentir que estava realmente chegando à essência de cada faixa. “A música envolve coisas que são impalpáveis, envolve o
sentimento que você tem na hora, envolve a intenção que você coloca, envolve o seu estado emocional, envolve questões até espirituais”, diz. O disco traz duas versões. Uma em português para
“A la ventana, Carolina”, do mexicano El David Aguilar, que ganhou o título “A janela, Carolina”, e outra para “Reckoner”, do Radiohead, que marcou a adolescência de Rubel. A última tem
arranjos de Arthur Verocai, com quem o carioca já havia trabalhado em 2021, na produção do samba “O homem da injeção II”. “Para mim, fez sentido convidá-lo porque é uma faixa que tem vontade
de dialogar com o público gringo”, diz. O lançamento nas plataformas, marcado para as 22h de quarta (28/5), veio acompanhado de um curta-metragem. Não é um videoclipe, mas um filme de seis
minutos inspirado no disco. Dirigido por Larissa Zaidan, o projeto foi filmado em película de 35 mm, com a mesma câmera usada no filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles. Rubel acredita
que o novo disco talvez atinja um público mais restrito que o anterior, que trouxe parcerias como Tim Bernardes, BK e MC Carol, mas garante que não será menos intenso. “Não é um disco de
hit, não é um disco pop, não tem muitos chamarizes. Talvez ele seja um disco para menos pessoas, mas aposto muito que a conexão emocional que essas pessoas vão ter é forte”, afirma.
“BELEZA. MAS AGORA A GENTE FAZ O QUÊ COM ISSO?” • Disco de Rubel • 9 faixas • Disponível nas plataformas digitais