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“Cuidadoras da natureza e da biodiversidade.” Esse é o lema da Cooperativa Regional Agroextrativista Mulheres do Cerrado, formada por 30 agricultoras familiares de 11 municípios do NORTE DE
MINAS, que atuam em rede. Adeptas da sustentabilidade, elas coletam frutos do cerrado como a cagaita, o buriti, o baru e o jatobá; produzem doces, farinhas, geleias e polpas; e vendem seus
produtos em feiras, por encomendas feitas pela internet e no comércio varejista. Além disso, trabalham com plantas medicinais. “Somos agricultoras e extrativistas. Trabalhamos com o
aproveitamento dos frutos do cerrado e com plantas medicinais. Cuidamos das nascentes na corrente da PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE e da sustentabilidade”, afirma Vilma Santos, presidente da
cooperativa. A entidade tem sede e uma unidade de processamento na localidade de Bom Jardim, no município de São João da Ponte, onde o grupo começou a ser formado há mais de 25 anos. A
agricultura, o extrativismo e os arranjos produtivos locais garantem o apoio a diversidade, a inclusão, o empoderamento e a autonomia das mulheres parceiras, que também fortalecem a
solidariedade, contribuem com a segurança alimentar e valorizam o conhecimento tradicional. A organização feminina no campo, voltada para a geração de renda e a proteção ambiental, é o tema
desta nova etapa da série de reportagens “Veredas da esperança”, publicada pelo Estado de Minas. “O nosso movimento é simples, natural: a gente concilia a agricultura familiar com a
preservação ambiental e com a biodiversidade”, assegura Vilma Santos. Ela lembra que as mulheres realizam a coleta dos frutos nativos, transformados em polpas e farinhas. Também aproveitam
as sementes de espécies como jatobá, coquinho azedo, panã, pequi, baru, mangaba, jenipapo, umbú, maracujá-do-mato para produzir mudas, visando o reflorestamento das áreas de cerrado. Por
conta da produção sustentável, as mulheres cooperadas têm os seus produtos naturais valorizados no mercado, assegura Vilma. “As pessoas estão preocupadas com a alimentação saudável e querem
manter a natureza viva. Elas sabem que as mulheres do cerrado, na sua maioria, estão dentro da floresta, sem destruí-la, replantando árvores, porque sabem que é dali que precisam tirar o
sustento e renda”, comenta. Sem agrotóxicos A líder da cooperativa feminina ressalta que o grupo trabalha somente com produtos naturais, sem agrotóxicos. “Nada nosso é transgênico.
Trabalhamos com coisas que o grande mercado ainda não descobriu, como a farinha de jatobá”, assinala. Ela lembra que a farinha de jatobá tem multiuso: pode ser transformada em biscoito,
bolo, farofa, omelete e mingau, sendo inserida na merenda escolar. “Antigamente, o jatobá era descartado ou servia de comida para tatu e cotia. Agora, o fruto tem valor agregado com a
produção da farinha”, frisa a agricultora. A presidente da entidade feminina ressalta que as agricultoras familiares das áreas próximas das veredas também cuidam do ecossistema ameaçado pela
degradação. “As mulheres fazem questão de zelar pela proteção das veredas e articulam com os moradores para evitar as queimadas, a derrubada da vegetação e a “mexida” das áreas de
preservação, que são cercadas para impedir a entrada do “gado criado na solta”, informa. Ela lembra que trabalho com os “remédios do mato”, feito pelas mulheres do grupo, está relacionado
com a cultura dos povos tradicionais, herdado de antigas gerações. “O uso das plantas medicinais é uma atividade que está ligada à ancestralidade. Todo mundo que vive no cerrado conhece o
uso medicinal de suas plantas”, observa. Vilma Santos conta que as mulheres do cerrado começaram a se organizar no começo da década de 1990, na localidade de Bom Jardim. “As mulheres
agricultoras iam para lavouras. As vezes, tinham que amamentar os filhos, que ficavam debaixo das árvores brincando enquanto elas trabalhavam. Na hora do café ou do lanche, eu sempre
conversava com elas. Aí, a gente foi organizando a dinâmica de trabalho e criamos a Associação Comunitária de Bom Jardim”. Ao grupo de Bom Jardim se juntaram outras mulheres de diferentes
municípios do Norte de Minas. Elas se organizaram na agricultura familiar, no extrativismo e na pequena produção artesanal de mercadorias como requeijão, queijo, doce, rapadura e outros
produtos. Em 2020, foi criada a Cooperativa Mulheres do Cerrado, liderada por Vilma Santos. ECONOMIA SOLIDÁRIA A cooperativa reforça a comercialização dos produtos de suas associadas com a
participação em feiras voltadas para o apoio à economia popular solidária. A entidade do Norte de Minas já marcou presença na Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), o maior evento
de economia solidária da América Latina. Também participa de outras feiras como, a Expominas, em Belo Horizonte. Vilma destaca que o respeito à natureza sempre será priorizado nas atividades
da Cooperativa Mulheres do Cerrado. “Nós temos uma relação de ancestralidade com o cerrado, onde vivemos no meio de suas árvores. Estamos aprendendo a ganhar dinheiro com suas frutas. Por
isso, a gente preserva a natureza mais ainda”, conclui a agricultora familiar. “Sem natureza, não existe a agricultura sustentável. A gente preserva ao máximo a natureza, pois, nós,
principalmente, as mulheres, dependemos dela, extraindo a nossa fonte de renda. Afinal, vivo dos frutos do cerrado e da agricultura familiar”, declara Célia Regina Pereira, de 62, uma das
integrantes da Cooperativa Mulheres do Cerrado, moradora da comunidade de Nova Esperança, na Zona Rural de Bocaiuva, no Norte de Minas. Ela coleta os frutos nativos e os transforma em
guloseimas como geleias de cagaita e de mangaba, polpas de coquinho azedo, de umbu e araçá, usadas para fazer sucos. Também produz farinha de jatobá e polpa de pequi. Célia Regina anuncia
que quer ampliar o seu trabalho como empreendedora do campo. “Estou querendo trabalhar também com artesanato do cerrado, com flores do cerrado”, revela. Outra integrante da Cooperativa
Mulheres do Cerrado é Rita de Cássia Santos Cardoso, de 30, mãe de dois filhos. Ela mora na comunidade de Bom Jardim, onde faz parte da união de mulheres desde criança, como herança da mãe,
Evanilde das Graças Santos, uma das pioneiras do grupo feminino dedicado à agricultura familiar e ao empreendedorismo no campo. “Temos aqui a sede da cooperativa, que vem nos ajudando a
crescer como empreendedoras, como se diz, mulheres empoderadas. A cooperativa nos trouxe muitas oportunidades como oficinas e capacitações”, afirma Rita de Cássia. “Com as capacitações,
estamos sempre melhorando os nossos produtos”, disse a agricultora familiar. Além de hortaliças e pequenas lavouras, ela trabalha com plantas medicinais, como a cavalinha (usada no combate à
hipertensão) e cordão de frade (que serve para o tratamento de problemas do sistema respiratório e inflamação nas articulações). PROTEÇÃO DO RIACHÃO “Nós temos que pensar na água, pois a
água é fonte de vida. Sem água é impossível sobrevivermos. E a gente tem que preservar (o meio ambiente) cada dia mais, procurando incentivar nossas crianças a não fazer queimada, a não
desmatar e, sim, descartar o lixo nos lugares corretos”. A afirmação é da agricultora Luciene Soares Ferreira, de 42, também associada da Cooperativa Mulheres do Cerrado. Mãe de três filhos,
Luciene mora e desenvolve suas atividades na comunidade de Riachão Pindaíba, no município de Montes Claros. A localidade fica próxima ao Rio Riachão, onde, no início da década de 1990, uma
disputa pelos recursos hídricos entre pequenos e grandes produtores na região, reportada pelo Estado de Minas, foi apelidada de “primeira guerra pela água” no Brasil, passando a ser objeto
de estudos em universidades. “A nossa preocupação está sendo a busca da recuperação do Riachão. Estamos buscando alternativas junto com a comunidade, para recuperar e ver o rio novamente com
muita água. O Riachão era um rio que não secava. Mas, de uns anos prá cá, a cada dia ele está morrendo, muito assoreado”, lamenta a moradora. Luciene trabalha com a produção de doces,
polpas de frutas, beijú e de outros “produtos da roça”. “Preservar e defender o bioma cerrado é de grande importância. Pois, o cerrado gera renda para as agricultoras familiares,
fortalecendo a autonomia das mulheres”, conclui Luciana. Outra sertaneja que retira a renda da natureza e cuida do meio ambiente é Maria dos Anjos Ferreira da Silva, moradora de Cabeceira do
Mangaí. “Acho que preservar a natureza é muito importante, pois, hoje, vejo o quanto as pessoas precisam do cerrado. Aqui onde moro, existem famílias que têm carro e vida boa por causa do
cerrado, (da venda) do pequi e da fava-danta (comprada pela indústria farmacêutica)”, disse Maria dos Anjos. ASSOCIATIVISMO FEMININO “O cooperativismo fortalece a autonomia econômica das
mulheres, promove a solidariedade e valoriza saberes locais”, afirma a professora Luciana Maria Costa Cordeiro, do departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes), ao ressaltar a importância de iniciativas como a Cooperativa Mulheres do Cerrado. “A união das mulheres, por meio da cooperativa, gera renda, preserva a cultura e os recursos do
território, como o pequi, e amplia sua voz na comunidade e no mercado”, considera Luciana, doutora em Economia pela UFMG, e que trabalha com macroeconomia com ênfase em políticas públicas e
desenvolvimento regional. SIGA NOSSO CANAL NO WHATSAPP E RECEBA NOTÍCIAS RELEVANTES PARA O SEU DIA “Ao se organizarem em cooperativa, as mulheres fortalecem seu empoderamento econômico e
conquistam mais autonomia, pois, passam a gerir sua produção, decidir coletivamente e acessar novos mercados, o que melhora a renda, a autoestima e a participação social”, avalia a
especialista. Luciana Cordeiro também salienta que as mulheres do campo contribuem significativamente com a sustentabilidade ambiental. “Elas preservam saberes tradicionais, manejam os
recursos naturais de forma consciente, cultivam a biodiversidade e utilizam práticas sustentáveis que respeitam os ciclos da natureza, especialmente em biomas como o cerrado”, descreve a
professora de economia.