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Apelos para salvaguardar o meio ambiente ecoam fortemente no mundo contemporâneo à luz das celebrações dos 10 anos de publicação da Laudato Si’ – Carta Encíclica do Papa Francisco, de 2015,
que chamou a atenção para a urgência de se cuidar das feridas causadas pelo inadequado tratamento do planeta. O mundo adoece com o atual estilo de vida que alimenta o consumo desmedido, o
desperdício e modos de produção que levam ao extrativismo predatório dos recursos naturais. Com o planeta adoecido pelas inadequações no seu tratamento, a humanidade também adoece e se
desequilibra, em todos os sentidos. Torna-se, assim, sempre mais pertinente o apelo em torno da necessidade de proteger a casa comum, alcançando a irrefutável compreensão que salvaguardar o
ambiente é salvaguardar o ser humano. São dramáticas as consequências da degradação ambiental – evidentes e ameaçadoras sobretudo para a vida dos pobres, aumentando o sofrimento dos
excluídos, mas sem deixar de atingir também os que equivocadamente exploram o meio ambiente para alavancar o próprio lucro. No fim, todos sofrem e, por isso mesmo, a sociedade precisa
dialogar para avaliar, criteriosamente, como está sendo construído o futuro do planeta. Mas ao invés de avanços nesse necessário diálogo, constata-se que as análises ainda não expõem
suficientemente as raízes humanas da crise ambiental. Por um lado, há um grande movimento em busca de soluções concretas para se evitar a deterioração do planeta. Por outro, multiplicam-se
as frustrações pela indiferença diante dessas soluções que, não raramente, afrontam interesses dos poderosos. Um sinal dessa indiferença é o Projeto de Lei 2.159/2021 que cria a Lei Geral do
Licenciamento Ambiental, aprovado pelo Senado, tramitando na Câmara dos Deputados. Uma proposta que, se for aprovada, representará golpe na política ambiental brasileira, pela
flexibilização do processo de licenciamento, enfraquecendo mecanismos de controle na batalha hercúlea para se evitar danos socioambientais. A água, as florestas, a vida de povos originários,
de comunidades tradicionais e o equilíbrio de ecossistemas estão ameaçados. A mesma Casa Legislativa que aprovou o Projeto de Lei 1.070/2021, instituindo o “Junho Verde” para ampliar
programas e projetos educativos socioambientais, abre portas para riscos evidentes advindos da falta de limites. A dispensa de licenciamento para projetos considerados de baixo impacto
facilita a impunidade e oferece riscos à sociedade. E o debate para flexibilizar o licenciamento ambiental está em desarmonia com a preparação para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (COP 30), encontro global que será realizado no Brasil. É urgente rever atitudes e escolhas para superar a tendência de negação diante do que é evidente: o planeta apresenta
sinais de esgotamento. Essa atitude de negação e indiferença contamina até mesmo os que professam a fé em Deus, autor da Criação. É preciso ir além da acomodação e da hegemonia de
interesses meramente pecuniários para conquistar nova dinâmica no tratamento do meio ambiente. É preciso emoldurar o horizonte de compreensão pelo sentido e alcance da ecologia integral,
paradigma que permite salvaguardar o ser humano pela salvaguarda do meio ambiente, considerando a interdependência dos aspectos ambiental, econômico e social. A natureza é indissociável da
condição humana. Nesse sentido, exige-se a sabedoria para perceber as interações entre os sistemas naturais e os sistemas sociais. A crise social não está separada da crise ambiental. Uma se
compreende à luz da outra. Também por isso, licenciamentos ambientais, além de questões técnicas, devem considerar a ordem social, concedendo mais espaço ao humanismo. O humanismo ilumina
as reflexões criando sensibilidade para contextos psicossociais, familiares, no mundo do trabalho, em vista de qualificar as relações entre pessoas. O ser humano precisa ser compreendido a
partir de sua interligação com o conjunto da Criação. Tem plena razão a Doutrina Social da Igreja Católica quando adverte sobre o equívoco de o homem se considerar não um colaborador, mas um
substituto de Deus, em sua relação com a natureza. Assim, age tiranicamente na sua relação com o meio ambiente. Em vez de tiranias, deve-se buscar os parâmetros de um humanismo fundamentado
na espiritualidade que não permite desconsiderar o vínculo entre o ser humano e o meio ambiente. Para preservar o planeta, é preciso conjugar o avanço científico, a meta partilhada de se
alcançar o desenvolvimento sustentável com uma profunda e eficaz dimensão ética. Inscrita nesta dimensão ética, com força iluminadora e norteadora, está a compreensão desta verdade: os bens
da Terra foram criados por Deus para serem sabiamente partilhados por todos, com equidade segundo a justiça e a caridade, afirma a Doutrina Social da Igreja. A salvaguarda do ser humano pela
salvaguarda do meio ambiente é caminho seguro e insubstituível que leva à paz. Ecoem os apelos que balizam uma nova lógica ambiental, investimento capaz de inaugurar novas atitudes e
hábitos, mais condizentes com os parâmetros de sustentabilidade do planeta – pela salvaguarda do ambiente, salvaguardar o humano.