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O colágeno está na moda. Esta proteína é importante para a estrutura da pele e das juntas – e tem sido apresentada como cura milagrosa para tudo, desde rugas até distúrbios do sono. O
colágeno é a proteína mais abundante do corpo, mas sua produção passa a ser naturalmente mais lenta com a idade, mesmo se você proteger a sua pele contra o Sol. E, para compensar esta
redução, a suplementação de colágeno se tornou um negócio em franca expansão. Um aficionado do colágeno é o empresário de tecnologia Bryan Johnson, que se transformou em um experimento
individual sobre como fazer para prolongar a vida. Ele conta que toma 25 gramas de peptídeos de colágeno todos os dias. Mas o colágeno não é tão bem conhecido assim. Existem algumas
evidências de que a suplementação desta molécula traz benefícios à saúde, mas as pesquisas são limitadas. O principal risco do seu consumo como suplemento talvez seja apenas o de desperdiçar
dinheiro, já que existem poucos efeitos colaterais conhecidos. Mas será que as evidências científicas confirmam as promessas da publicidade? POR QUE O COLÁGENO É CONFUSO Vamos começar pelo
básico. "O colágeno só é encontrado em tecido conectivo animal", indica a nutricionista Andrea Soares, da Geórgia, nos Estados Unidos. Ela faz parte da rede Top Nutrition Coaching,
que ajuda a conectar as pessoas a nutricionistas na sua região. Os produtos de colágeno vêm de uma série de animais: vacas, porcos, galinhas e peixes. A gelatina, que é usada para fazer
doces, e as cápsulas de produtos farmacêuticos, são formas de colágeno. "Alguns suplementos de origem vegetal se identificam como 'colágeno vegano', mas, na verdade, eles
contêm ingredientes que incentivam a formação de colágeno, como vitamina C, aminoácidos e minerais, que ajudam o corpo a produzir seu próprio colágeno", explica Soares. "Se você
for vegano, talvez prefira gastar o seu dinheiro com uma dieta balanceada, em vez de suplementos de 'colágeno' de origem vegetal que, na verdade, não contêm colágeno." Além
disso, diferentes tipos de colágeno, aparentemente, trabalham de forma diferente. O colágeno hidrolisado é colágeno que foi decomposto em cadeias curtas de aminoácidos, conhecidas como
peptídeos. Estes são decompostos mais à frente, durante sua viagem pelo sistema digestivo. Já o colágeno tipo 2 não desnaturado (bruto) é um componente das juntas em torno da cartilagem.
Teoricamente, ele pode ajudar a reabastecer o colágeno em torno das juntas, segundo o pesquisador clínico em reumatologia David Hunter, da Universidade de Sydney, na Austrália, estudioso da
osteoartrite. O colágeno do tipo 2 também é decomposto em aminoácidos no estômago, mas o colágeno hidrolisado tende a ser mais bem absorvido pelo corpo. Além da ampla variedade de fontes e
tipos, o colágeno é comercializado em muitas formas diferentes, desde barras até bebidas. Em comparação com os pós e líquidos, "as pastilhas e gomas costumam ter menos colágeno por
porção e podem conter açúcares ou outros ingredientes adicionais", explica Soares. E, embora o consumo de alimentos ricos em proteínas e vitamina C geralmente ajude o nosso corpo a
produzir colágeno, a quantidade da substância presente em alimentos como sopa de ossos é variável. Soares aconselha que as pessoas que tomam colágeno como suplemento deem preferência a pós
ou líquidos, com pelo menos 5 a 10 gramas de colágeno por dose. De forma geral, muitas afirmações da publicidade sobre os produtos de colágeno por via oral não resistem às pesquisas. Na
União Europeia, "nenhuma alegação de propriedade de saúde para suplementos de colágeno conseguiu a luz verde", explica Leng Heng, cientista sênior de nutrição humana da Autoridade
Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês). A EFSA é a agência da União Europeia que determina os riscos relativos a alimentos novos. Ela examinou o colágeno e concluiu
que os benefícios à saúde atribuídos à proteína não foram confirmados por evidências suficientes de alta qualidade, até o momento. Eles "não foram suficientemente definidos, não houve
estudos humanos de apoio ou foram baseados em evidências de pesquisas com animais e de laboratório, que não podem prever os efeitos em seres humanos", segundo Heng. Ela destaca que
alegações como a ideia de que o colágeno ajuda a manter a elasticidade da pele, ou que melhora o funcionamento das juntas, ainda não foram suficientemente demonstradas pelas pesquisas
científicas. O possível viés da indústria é uma preocupação importante para o rigor da determinação, segundo Hunter. Muitos estudos sobre o colágeno são financiados pelas empresas de
suplementos ou seus autores são funcionários dessas companhias. E os conflitos de interesse deveriam ser declarados nos estudos acadêmicos, mas isso nem sempre acontece. Em um estudo
publicado, por exemplo, cinco dentre sete autores indicaram sua afiliação a empresas de suplementos, mas nenhuma informação adicional foi fornecida no capítulo de conflitos de interesse. Em
resposta a uma consulta da BBC, a editora Elsevier, que publicou este estudo, declarou que ele agora está em investigação. "A realidade de muitos desses estudos é que é difícil
encontrar qualquer um deles que seja totalmente independente da indústria", afirma Hunter. Os influenciadores, às vezes, também promovem pesquisas de má qualidade e doses de suplementos
mais altas do que o recomendado pelas autoridades de saúde. As próprias análises sistemáticas e meta-análises (revisões em larga escala das evidências disponíveis, reunindo os resultados de
diversos estudos) podem ser comprometidas pela qualidade dos estudos analisados. Hunter e seus coautores determinaram o risco de viés desses estudos, incluindo o envolvimento da indústria.
Mas ele afirma que pode ser difícil calcular totalmente o viés quando não há quantidade suficiente de exames independentes, como ocorre com o colágeno. Os riscos à saúde dos indivíduos pela
suplementação com colágeno aparentemente são baixos, mas existem possíveis consequências maiores da demanda crescente pela substância. Os suplementos de colágeno de origem bovina, por
exemplo, já foram relacionados ao desmatamento no Brasil. Paralelamente, a Comissão Europeia encomendou pesquisas sobre a possibilidade de que o colágeno ou a gelatina possam gerar novos
casos de encefalopatia espongiforme transmissível (EET, ou doença de príon). A EFSA estimou a exposição oral de seres humanos a gelatina infectada em cenários hipotéticos, considerando o
pior dos casos, e concluiu que o risco era ínfimo ou inexistente. COLÁGENO PARA A PELE, TECIDOS E JUNTAS Um problema fundamental sobre os supostos benefícios do colágeno é o que acontece
quando a molécula é ingerida. A dermatologista Anjali Mahto declarou à BBC em 2019, por exemplo, que "existem poucas comprovações sólidas de que ele sobreviva à digestão, viaje pelo
fluxo sanguíneo e chegue à sua pele". De fato, quando qualquer proteína (incluindo o colágeno) chega ao estômago, ela costuma ser rapidamente decomposta em aminoácidos, que são
reordenados para formar as proteínas de que o corpo precisa naquele momento. Por isso, se o seu corpo precisar de colágeno, ele poderá reorganizar aqueles aminoácidos na forma daquela
proteína, mas nada é garantido. Outra questão é a formulação de suplementos de colágeno. Em muitos estudos dermatológicos, os produtos de colágeno também contêm outros ingredientes que podem
beneficiar a saúde da pele. Por isso, fica difícil isolar os efeitos da proteína. Mas muitos consumidores defendem os efeitos do colágeno sobre a aparência e a sensação da pele. Uma análise
sistemática e meta-análise concluiu que o colágeno hidrolisado pode ter efeitos benéficos para a pele, aumentando, por exemplo, a hidratação e a elasticidade. Mas seus autores concluíram
que seria necessário pesquisar mais para confirmar estes efeitos. Outros estudos, financiados pelas indústrias, indicaram que produtos orais com altas quantidades dos peptídeos de colágeno
prolil hidroxiprolina e hidroxiprolilglicina podem aumentar a umidade e melhorar a aparência da pele. "O fundamental é o uso consistente", segundo Soares. Existem certas
estratégias para aumentar os possíveis benefícios dos suplementos de colágeno, por exemplo, para os tendões. O professor de fisiologia neuromuscular Robert Erskine, da Universidade John
Moores em Liverpool, no Reino Unido, sugere que o exercício pode ser capaz de estimular os tecidos do corpo para regenerar mais colágeno do que o habitual. E, por sua vez, isso pode
fortalecer os tendões, permitindo que a pessoa se mova com mais velocidade e apresente menos propensão a cair. Em um estudo, Erskine e seus colegas de universidades de todo o Reino Unido
estudaram se a ingestão de colágeno hidrolisado poderia aumentar a quantidade da proteína produzida pelo corpo após exercícios de resistência de alta intensidade. A pesquisa empregou uma
pequena amostra de homens jovens e saudáveis e concluiu que os participantes produziram quantidade significativamente maior de colágeno novo quando tomaram uma mistura de vitamina C e 30 g
de colágeno hidrolisado antes do exercício. Esta dose foi mais alta do que a estudada anteriormente ou da que é normalmente vendida para os consumidores. Em outro estudo que contou com o
envolvimento de Erskine, a equipe testou o mesmo efeito em homens saudáveis de meia idade. Eles concluíram que o efeito da suplementação de colágeno ainda estava presente, mas era menor. Ou
seja, a idade é um fator que influencia a produção de colágeno. Outro fator é o sexo. Existem relações entre o estrogênio e a síntese de colágeno, por exemplo. "Tenho muito interesse em
tentar pesquisar como podemos aumentar o bem-estar e o desempenho dos atletas, particularmente das mulheres", afirma Erskine. "Acho que o colágeno terá grande participação
nisso", não só para aumentar o desempenho, mas também para reduzir o risco de lesões. Estas pesquisas são relativamente novas e de pequena escala, mas já estão integradas aos hábitos
nutricionais dos atletas de elite. "Acho que as evidências são suficientemente fortes para apresentarmos estas sugestões", afirma Erskine. De fato, os suplementos de colágeno são
frequentemente associados aos jovens atléticos ou pessoas preocupadas com a sua imagem, mas eles estão sendo cada vez mais pesquisados como possível tratamento de condições crônicas
associadas à idade avançada. Existem, por exemplo, evidências diversas de se o colágeno ajuda a combater os sintomas da artrite reumatoide. Uma meta-análise recente concluiu que a qualidade
geral das pesquisas nesta área é baixa, de forma que não foi possível decidir se os suplementos de colágeno podem ser benéficos. Mas os autores indicaram que alguns estudos relataram efeitos
prejudiciais. Em relação à osteoartrite, Hunter e seus colegas realizaram uma análise sistemática de diversos estudos. Eles concluíram que os suplementos de colágeno aparentemente reduzem
as dores relacionadas à osteoartrite a curto prazo. Mas Hunter destaca que a base de evidências é limitada. Os estudos com colágeno que serviram de base para a equipe foram limitados, em
termos de quantidade e de qualidade (como o uso de pequenos tamanhos de amostras). Por isso, ele e seus colegas não incluíram o colágeno em um novo teste clínico de medicamentos
complementares que, aparentemente, são mais promissores para a osteoartrite, como extrato de casca de pinheiro, extrato de _Boswellia serrata_ e curcumina. DEVO TOMAR SUPLEMENTO DE COLÁGENO?
Como ocorre com qualquer suplemento, existe o risco de interação com outros remédios. Por isso, David Hunter aconselha a qualquer pessoa que esteja considerando a ingestão de um suplemento
que converse primeiramente com um profissional de saúde. O aumento da ingestão de uma proteína como colágeno pode ser uma preocupação para pessoas com condições renais ou hepáticas que
afetem o metabolismo das proteínas, segundo Robert Erskine. Muitos dos pacientes de Hunter ficaram interessados em suplementos, depois de ouvirem falar deles nos anúncios publicitários, na
imprensa ou de pessoas conhecidas, segundo ele. "É muito importante que as pessoas, particularmente os profissionais de saúde, sejam abertos para essas interações", explica ele.
"Se você descartar a possibilidade, acho muito provável que muitos desses pacientes saiam e simplesmente tomem o suplemento de qualquer forma." Na sua prática, quando os pacientes
expressam interesse pelos suplementos, Hunter responde que existem alguns que vale a pena tentar por três ou quatro semanas. Como ocorre com a aparência da pele, alguns estudos indicam que
os benefícios dos suplementos para as juntas não começam antes de dois ou três meses, quando aparecem. Mas Hunter indica que muitas pessoas que sofrem de osteoartrite terão dificuldade para
manter suplementos se não observarem efeitos em cerca de um mês. De forma geral, considerando as muitas razões que podem levar alguém a procurar o colágeno, não existe uma única resposta
sobre a utilidade dos suplementos da proteína. Tudo irá depender do motivo por que você quer tomar o suplemento, por quanto tempo você pode continuar tomando, do preço, se o colágeno é
combinado com outros ingredientes e como ele poderá afetar outros aspectos da sua saúde. "Nem todas as pessoas irão reagir aos suplementos de colágeno da mesma forma", destaca
Erskine. Por fim, os cientistas destacam que o dinheiro gasto anualmente em suplementos de colágeno poderia ser investido em alimentação mais equilibrada, que poderia melhorar a saúde de
muitas formas. Além da alimentação nutritiva e variada, o exercício, o sono e a proteção contra o sol, por exemplo, também trazem benefícios comprovados para a aparência e a saúde da pele.
Tudo isso pode parecer entediante, mas também poderá fazer você economizar bastante dinheiro no longo prazo. _Todo o conteúdo desta reportagem é fornecido apenas como informação geral e não
deverá ser tratado como substituto ao aconselhamento de um médico ou outro profissional de saúde. A BBC não é responsável por nenhum diagnóstico feito por um usuário com base no conteúdo
deste site. A BBC não é responsável pelo conteúdo de nenhum site externo da internet relacionado, nem endossa nenhum produto ou serviço comercial mencionado ou anunciado em nenhum desses
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