O último filmante

O último filmante

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No lançamento do romance Bendito Assalto, em Curitiba, o Quintana Café & Restaurante lotou, com um bom vinho correndo, oferecido pelo amigo escritor Samuel Lago, canapés oferecidos por


outro amigo, o deputado Marcelo Almeida, presidente da Frente Parlamentar da Leitura (Seo Celso tem razão, com os amigos a gente faz tudo). Pés-vermelhos, que não se viam há anos, trocavam


estapeantes abraços. A converseira rolava alegre quando Rubens Bueno me alertou: em convite por e-mail, escrevi que seria uma reunião de pés-vermelhos e coxas-brancas, que eu pensava fossem


todos os curitibanos, mas não, coxas-brancas são apenas os torcedores do Coritiba! Perdoem minha inguinorança, atleticanos! (E aí entendi porque um sujeito me abraçou e falou rangendo os


dentes: — Sou seu leitor, Pellegrini, mas não sou e jamais serei coxa-branca!) Rafael Greca e Margarita desfilaram elegantes. Hélio Lete explicava pela milésima vez porque deixou de ser


Leite. Nilson Monteiro soltava monteiras risadas, Thadeu cantou sua última canção para Solda e Kiko Gemael, Norton Macedo levou um livro para Wilson Martins, Elói Zanetti levou outro para


Dalton Trevisan. Chorei ao ver Keka e lembrar do amigão Arnaldo Bertone, mas logo Casto Pereira me fez rir, apresentei Juarez Poletto a Marden Machado, Mário Milani me apresentou sua revista


Bem Público, Manoel Andrade seu livro Poemas para a Liberdade. Rogério Mainardes me deu um abraço que quase me descadeirou, Cláudio Fajardo me amparou com sua bengala, a médica Melissa


Borges quis ajudar, Cleto de Assis disse que poesia cura tudo, Marcelo Oikawa falou que, se fosse verdade, os poetas seriam ricos, aí Hertes Ivolela falou que então seria poeta. Revi Claret


e Tereza Resende, Hilton Barcelos, Ernani Buchmann, Iran Martin Sanches, Eduardo Sganzerla, e mais amigos que não lembro porque prometi a Dalva que daria só um gole no cálice, e dei mesmo só


um (depois de cada autógrafo, e foram mais de cem), de modo que a certa altura me sentia num carrossel de abraços e lembranças, risos e lágrimas. Três horas de autógrafos depois, saí na


varanda e lá estavam os fumantes, formando uma roda de defumação, e comentaram entre baforadas: — Antes, era a ditadura dos fumantes, que fumavam onde queriam e como queriam. Agora, é a


ditadura dos não-fumantes! Vai chegar o dia em que só poderemos fumar no alto de montanhas. — Isto, se não disserem que estamos promovendo o aquecimento global, é só o que falta. Já me


disseram que nossa fumaça causa até crise alérgica! — Sem falar no patrulhamento político. Noticiaram que o Brasil é o maior produtor de fumo do mundo, mas só consome 15%, o resto é


exportado sem impostos, devido a uma lei protecionista. Por isso, já me disseram que fumar é também politicamente incorreto! — Para mim, disseram que os personagens fumam tanto, nos filmes,


porque as indústrias de cigarros custeiam a produção dos filmes por baixo do pano. Dizem que os filmes deviam ter uma tarja alertando se tem ou não tem cenas com fumantes... Imagino quantas


obras-primas serão condenadas! — Outro dia acendi um cigarro numa área aberta de um shopping, um gurizinho me puxou pelo paletó e falou: moço, se você não apagar o cigarro, eu vou crescer


menos! — Pois meu filho perguntou outro dia se vou ser o último fumante, porque os pais de todos seus amigos pararam de fumar. Falei que espero morrer antes, aí ele perguntou se depois pode


colocar minha foto nos maços de cigarros, porque assim meu "sacrifício", como ele falou, vai servir para alguma coisa... Voltei ao salão, para autografar os últimos livros,


desejando que todos meus amigos morram na cama, dormindo, depois dos 90 anos.