Guerra sem fim

Guerra sem fim

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As causas para a tensão atual entre o grupo radical palestino Hamas e Israel podem ser várias: tudo depende de qual o ponto de partida a ser tomado. Pode estar nas origens do islamismo e do


judaísmo (leia reportagens nas páginas 2 e 3) ou na resposta do atual governo israelense aos lançamentos de foguete a partir de Gaza contra seu território. O Caderno G Ideias hoje discute a


raízes do conflito entre árabes e judeus que faz da Palestina uma das regiões mais atribuladas do planeta. Há pelo menos um evento essencial para entender a formação do Oriente Médio


moderno: a Guerra dos Seis Dias, como chamam os israelesnes, ou a Guerra de 1967, como preferem os árabes. "A Guerra do Atrito, a Guerra do Yom Kippur, o Massacre de Munique e o


Setembro Negro, a Guerra do Líbano, a controvérsia em torno dos assentamentos judeus e o futuro de Jerusalém, os Acordos de Camp David, os Acordos de Oslo, a Intifada – todos resultam de


seis intensos dias de junho de 1967 no Oriente Médio. Poucas vezes, nos tempos modernos, um conflito tão breve e localizado teve consequencias tão prolongadas e globais. Raras vezes um


acontecimento foi capaz de prender a atenção mundial de maneira tão tenaz. Num sentido muito concreto, para estadistas, diplomatas e soldados, essa guerra nunca terminou", diz Michael


B. Oren, em seu livro Seis Dias de Guerra (Bertrand Brasil). Prevendo uma ação conjunta de uma frente de países árabes contra seu território, Israel lançou mão de um "ataque


preventivo" que durou seis dias, tempo em que conquistou as Colinas de Golã, da Síria, a Península do Sinai e a Faixa de Gaza, do Egito, e a Cisjordânia e toda Jerusalém, da Jordânia.


Foi uma tremenda vitória militar que restaurou um antigo sonho dos judeus, da formação de um Grande Israel, área que ocuparia todo o território nas duas margens do Rio Jordão, conforme a


Terra Prometida descrita na Bíblia hebraica. Para assegurar essa ideia, o governo israelense passou a construir assentamentos com milhares de judeus nas regiões ocupadas. Do lado palestino,


também houve mudanças. Cerca de 200 mil deixaram a região e foram viver em campos na Síria, Líbano e Jordânia. Pelo menos 600 mil que viviam na Cisjordânia e Gaza permaneceram sob governo


israelense. Mas, para eles, havia uma diferença essencial em relação ao status anterior à guerra. Agora, todos estavam unidos sob um só comando. Antes, estavam dividos sob o poder de Egito


(Gaza) e Jordânia (Cisjordânia). Essa união acabou alimentando a vontade de um Estado palestino. Mais tarde, em 1978, sob mediação dos EUA, o presidente egípcio Anwar Sadat e o


primeiro-ministro israelense Menachem Begin firmaram o Acordo de Camp David, que resultaria alguns anos mais tarde na devolução total do Sinai para domínio do Cairo – apesar da enorme


resistência dos colonos judeus. Em 1994, a Jordânia foi o segundo país árabe a normalizar relações com Israel, em boa parte por causa dos avanços nas negociações entre o Estado judeu e a


Organização para Libertação Palestina (OLP). Um ano antes, o presidente americano Bill Clinton havia recebido o palestino Yassar Arafat e o israelense Yitzhak Rabin, quando ambos assinaram o


Acordo de Oslo. Parte da administração de Gaza e da Cisjordãnia foi transferida para os palestinos. Em 2005, numa decisão bastante pragmática, o então premier de Israel Ariel Sharon iniciou


a retirada de todos os assentamentos israelenses de Gaza – também sob forte condenação de colonos e do seu próprio partido, o Likud, o que acabou fazendo com que ele criasse uma nova


agremiação, o Kadima, atualmente no poder. Em outras palavras: Sharon e os políticos que o seguiram no novo partido haviam finalmente percebido que o sonho da Grande Israel era impossível de


ser concebido. Como disse o cientista político Arye Naor ao The New York Times, citado num perfil sobre Tzipi Livni, atual chanceler israelense e candidata do Kadima nas eleições da próxima


terça-feira: "Havia três metas ideológicas para as famílias como a de Livni e a minha: Grande Israel, um Estado Judeu e democracia. Bem, tornou-se claro que poderíamos ter dois deles,


mas ao adicionar um terceiro condernaríamos toda a iniciativa." Isso porque um Grande Israel eventualmente seria dominado demograficamente pelo árabes, deixado de ser um Estado judeu.


Um ano após a retirada israelense de Gaza, os EUA incentivaram eleições entre os palestinos. Fortemente desgatado por causa da corrupção, o Fatah, partido mais alinhado a Washington e


Israel, acabou perdendo nas urnas para o Hamas, grupo que não reconhece e prega a destruição do Estado judeu. Como consequência, União Europeia e EUA impuseram um forte bloqueio econômico às


regiões palestinas. Seguiu-se então um desentendimento polítco entre Hamas e Fatah, que culminou numa guerra civil. Em junho de 2007, o Hamas tomou controle de Gaza e o poder do Fatah ficou


restrito à Cisjordânia, região que continua sob ocupação israelense. De ambos os lados do conflito entre israelenses e palestinos, a solução que mais possui adeptos é a criação de um Estado


palestino descontinuado que agregue Gaza e Cisjordânia. Se isso de fato ocorrer algum dia – e o próprio conflito entre Hamas e Fatah, ou Hamas e Israel, impossibilitam algo do tipo no curto


prazo –, Israel terá então devolvido todas as regiões conquistadas na Guerra dos Seis Dias, à exceção de Jerusalém, que, segundo a mesma ideia mais aceita, teria o controle dividido entre


os dois povos. Já o controle das Colinas de Golã está em discussão com a Síria desde 2008.