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_"Para retomar o Estado (ou seja,para conservar o poder) era necessárioperiodicamente espalhar aquele terror eaquele medo nos homens que o tinhamutilizado ao tomar o poder". _ Esse
pensamento é do gênio da Política, estadista, historiador e publicista, Maquiavel (14691527), em obra notável: Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. E serve para identificar a
farsa montada por agentes do governo visando a neutralizar o testemunho de Francenildo Santos Costa. Corajosamente, ele desmentiu o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci que negou, no
Congresso, ter freqüentado a mansão do Lago Sul de Brasília. O local se prestava ao tráfico de influência, corrupção e outros crimes contra a República, um ponto de muito dinheiro vivo e
sessões de luxúria com as recepcionistas agenciadas por uma dama do cerrado. Na tentativa açodada para desqualificar a prova e reverter o quadro, funcionários e diretores da Caixa Econômica
Federal violaram o sigilo bancário do caseiro, titular de uma conta que registrava um saldo de 25.000 reais. A velocidade na prática do crime contra a intimidade e a publicidade do extrato
bancário não mudaram o cenário do escândalo e nem desacreditaram a testemunha. Ao contrário, ela provou a origem lícita dos depósitos. O propósito era amparar o homem forte da economia
brasileira transformando um cidadão do povo em suspeito de crime de lavagem de dinheiro. Uma reencarnação do combate bíblico de David contra Golias. E a funda que abateu o gigante foi a
confissão do ex-presidente da Caixa Econômica, Jorge Mattoso, na Polícia Federal. Ele recebeu o extrato da conta violada e o entregou, pessoalmente, ao chefe. As delações não foram premiadas
com a atenuação das culpas e a diminuição das penas. Ao reverso, desnudaram a armação do terror oficial a serviço da opressão e da mentira. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil,
Roberto Busato, foi incisivo: "É coisa de gângster, de sindicato do crime". Norberto Bobbio lembra que o terror é o instrumento de emergência a que um governo recorre para
manter-se no poder. Serve de exemplo o período da ditadura do Comitê de Saúde Pública, liderado por Robespierre (17581794) e Saint Juste (17671794) durante a Revolução Francesa
(17931794). O paradoxo e a coincidência é que ambos morreram na guilhotina que tanto acionaram para decapitar as cabeças e as idéias que estariam frustrando os objetivos da República
instalada pela Assembléia Nacional (1789). Nesse doloroso episódio para a democracia é fundamental destacar a histórica cobertura feita por inúmeros órgãos de imprensa que reagiram contra a
encenação grotesca e impediram o triunfo da violência institucional. Em outras palavras: garantiram as garantias. Em artigo publicado terça-feira e intitulado "Caso de polícia",
Dora Kramer afirma que a demissão (ou o nome que tenha) do ministro "nem de longe põe fim à questão aberta com a quebra do sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa. (...) Agora,
o que se tem em vista é um caso de polícia, com conotações institucionais, por implicar agressão à Constituição" (dos jornais). Há determinados fatos cuja extrema gravidade repercutem
para muito além de seus protagonistas, do lugar e do tempo em que ocorreram. E para que os brasileiros não esqueçam o drama do caseiro que é vítima do poder do Estado, alguns grupos não
governamentais como o liderado pelo ex-ministro da Justiça, Miguel Rale Júnior, Da indignação à ação e o Movimento Pró-Congresso, formado por deputados federais e senadores, irão realizar
hoje, na sede da OAB de São Paulo, um ato de solidariedade ao caseiro e ao seu advogado. O convite tem uma chamada muito expressiva. É o pensamento de Alexander Soljenitzen, autor de
Arquipélago Gulag, Prêmio Nobel de Literatura (1970) que fez vigorosas críticas ao regime soviético em favor da retomada de valores espirituais. A frase diz: "O gesto simples de um
homem simples e corajoso é não partilhar na falsidade, não apoiar atos falsos". RENÉ ARIEL DOTTI É ADVOGADO, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E EX-CONSELHEIRO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL,
SEÇÃO DO PARANÁ.