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O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, deverá incluir no pacote de projetos contra o crime que vai apresentar ao Congresso uma medida que prevê punição mais rigorosa
para os condenados por corrupção ou desvio de dinheiro público (peculato). Conforme a proposta, sentenciados por estes crimes cumprirão prisão em regime fechado independentemente do tamanho
da pena. A intenção do ex-juiz federal da Operação Lava Jato, no entanto, contraria precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF). O conjunto de medidas que será apresentado em fevereiro ao
Congresso ainda está em análise no futuro governo. Desde que aceitou assumir o cargo no primeiro escalão de Jair Bolsonaro, Moro tem defendido o endurecimento das leis para fortalecer o
combate a corrupção. Ele também já disse que pretende propor regras mais rígidas para progressão de regime e para evitar a prescrição da pena. LEIA TAMBÉM: Haddad é condenado a pagar R$ 79
mil a Edir Macedo por chamá-lo de “charlatão” Tanto corrupção quanto peculato têm pena mínima de dois anos e máxima de 12. A legislação, porém, prevê o regime inicial fechado somente para
condenados a partir de oito anos. No caso de penas inferiores a oito anos, a previsão é de regime semiaberto – no qual o condenado pode trabalhar e fazer cursos externos durante o dia e
voltar para dormir na prisão – e aberto – quando o sentenciado pode exercer qualquer atividade autorizada durante o dia e até dormir em casa. A proposta de Moro aumentaria o número de
presos por corrupção ou desvio de dinheiro público. A exceção seria apenas quando os casos envolvessem pequenos valores. SUPREMO JÁ SE POSICIONOU CONTRA NO PASSADO A obrigatoriedade do
regime inicial fechado, no entanto, já foi declarada inconstitucional pelo Supremo, em 2012, em um julgamento de um habeas corpus de um traficante condenado a seis anos de prisão. Na
ocasião, a maioria do Supremo, por 8 votos a 3, autorizou o sentenciado a seguir para o regime semiaberto e declarou inconstitucional um artigo da Lei de Crimes Hediondos (de 2007) que
obrigava o regime inicial fechado. A justificativa do Supremo foi o princípio da individualização da pena. O entendimento de Moro é o de que a corrupção envolvendo altos valores é mais grave
do que o crime do pequeno traficante. “Uma ideia é o regime fechado inicial para pessoas que cometem alguns crimes contra a administração pública, salvo se a vantagem indevida ou o produto
do peculato for de pequeno o valor”, disse Moro em palestra na terça-feira (11), em Brasília, quando detalhou seu pacote de propostas anticrime. LEIA TAMBÉM: TSE rejeita ação de Bolsonaro
contra Haddad por show de Roger Waters Vencido no julgamento de 2012, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, afirma que há “jurisprudência pacífica” na Corte que impede o regime inicial
automaticamente fechado. Mas, segundo ele, é cedo para comentar uma proposta que ainda não foi apresentada formalmente. “Há um princípio constitucional que é o princípio da individualização
da pena. Então em cada caso tem de se analisar, observados os parâmetros da prática criminosa, sob pena de generalizar-se e colocar na vala comum agentes que praticaram crimes de gravidade
diversas. Mas não estou me posicionando”, disse. Outro ministro do Supremo, que não fez parte daquele julgamento, também salientou o precedente, mas não quis se pronunciar. PROPOSTA É MESMO
INCONSTITUCIONAL? Na Lava Jato, de 219 condenações totalizadas até o início desta semana, 90 tiveram penas de menos até oito anos, o que leva ao cumprimento da pena em regime semiaberto ou
aberto, a depender do caso. O levantamento da Justiça Federal do Paraná não informa, no entanto, quantas dessas condenações foram por corrupção ou por peculato. O advogado criminalista
Rodrigo Mudrovitsch, afirmou que a proposta é “inconstitucional”. “Essa proposta, se confirmada, esbarra em posição histórica do STF estabelecida a partir da leitura do conteúdo de uma
cláusula pétrea da constituição federal”, disse. Ele é advogado de delatores da Odebrecht e do deputado federal Aníbal Gomes (MDB-CE) na ação penal em que o parlamentar é réu na Lava Jato
por corrupção. Para o professor da FGV Direito Rio, Thiago Bottino, modificar o regime de cumprimento de penas ou mesmo a duração delas é uma medida “meramente simbólica, sem probabilidade
de surtir efeito na redução do crime por si só”. Segundo ele, se a pena for baixa, mesmo iniciando no regime fechado, o preso poderá progredir para o semiaberto rapidamente. As regras atuais
preveem a passagem para um regime menos restritivo após cumprido 1/6 da pena.