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Pessoas com útero e sistema reprodutor considerado "feminino" são cíclicas. Isso significa que, todos os meses, elas passam por um ciclo, que se repete inúmeras vezes durante toda
a vida reprodutiva. O principal objetivo do sistema reprodutor, como o próprio nome diz, é preparar o corpo para se reproduzir e gerar novas vidas. Todos os hormônios e órgãos trabalham para
criar o ambiente perfeito para receber um óvulo fecundado. Quando isso não acontece, vem a menstruação, que marca o fim desse ciclo e o início de outro exatamente igual. Ela é apenas a
descamação do endométrio — um revestimento uterino criado para aninhar o embrião — que, quando não é usado, precisa sair do corpo de alguma forma. A menstruação, portanto, é apenas uma das
fases do ciclo reprodutivo, que dura cerca de cinco a sete dias. Para entender melhor o que é a menstruação, é necessário entender o ciclo reprodutivo feminino (estou usando esse termo
apenas por uma questão biológica — é sempre necessário lembrar que há mulheres que não passam por isso e homens, não-binários e intersexuais que passam) por completo. Segundo a Dra. Marta
Rehme, ginecologista e obstetra e professora do curso de medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), o processo, em um corpo saudável e em condições normais, dura de 25
a 35 dias, marcados do início de uma menstruação até o início da próxima. Em geral, todos os meses, os menstruantes sangram cerca de 80 ml de sangue, uma quantidade bem pequena. Ao depender
do tipo de método de absorção utilizado pela pessoa, especialmente os absorventes descartáveis, é comum que pareça que há muito mais menstruação. Por isso, muita gente defende cada vez mais
o uso do coletor menstrual, já que a mulher fica mais próxima do próprio sangue e começa a entendê-lo melhor — até em relação à quantidade dele todos os meses. A idade normal para uma pessoa
menstruar pela primeira vez varia muito, dos 10 aos 16 anos. Existem alguns sinais do corpo que indicam a proximadade da menarca (nome dado à primeira menstruação), como o aumento do peso,
crescimento rápido e as mudanças naturais da puberdade, como crescimento de seios, pelos. “Ao longo dos anos no último século, as meninas começavam a menstruar com 16 ou 17 anos. Atualmente,
a média é em torno de 11 anos e meio. Há várias coisas que influenciam isso. Além da parte familiar, o meio ambiente e a exposição maior a estímulos também atua para que a primeira
menstruação ocorra mais cedo. A melhora da nutrição também é fundamental para essas mudanças. O maior contato com substâncias contidas em plásticos, os chamados disruptores hormonais, também
têm influência”, explica Dra. Marta Rehme. Apesar de correr cada vez mais cedo, quando a menarca ocorre, boa parte das crianças sequer entende o que está acontecendo com seu corpo ou o que
é aquilo. Essa falta de informação colabora para uma relação ruim com seu próprio corpo, além do nojo por algo tão natural como a menstruação. Por isso, é importante estimular cada vez mais
que os os pais e mães conversem sobre isso com suas filhas e filhos, mesmo que eles não passem por isso diretamente, como é o caso de meninos cisgênero. A educação sexual é essencial para
proteger as crianças de possíveis abusos e para que elas cresçam adultos que se conheçam e, quando iniciem sua vida sexual, estejam menos suscetíveis a engravidar sem planejar ou contrair
algum tipo de Infecção Sexualmente Transmissível (IST). CICLO MENSTRUAL O ciclo começa com a ação da hipófise, uma glândula localizada na base do cérebro e que produz os hormônios LH e FSH
que, por sua vez, estimulam o crescimento dos folículos nos ovários. A primeira fase do ciclo, que dura em média 14 dias, é a Fase Folicular, em que um óvulo cresce e amadurece. Os ovários,
então, começam a produzir estrogênio, que é responsável pelo crescimento do endométrio, que começa a engrossar e ficar rico em vasos sanguíneos para receber o embrião. Quando já estiver
amadurecido, mais ou menos no 14º dia, o óvulo é liberado pelos ovários e, através das trompas uterinas, vai até o útero. Essa é a ovulação. Após a ovulação, vem a Fase Lútea, que recebe
esse nome por ter influência do corpo lúteo, uma estrutura que se forma nos ovários após a liberação do óvulo, e é estimulada pelo FSH e LH. Essa estrutura produz progesterona, hormônio que
é responsável, especialmente, por interromper o crescimento do endométrio e estabilizá-lo. Quando não há gravidez, o corpo lúteo “vive” cerca de 14 dias. Depois disso, ele começa a murchar
e, assim, os níveis de progesterona caem. Com a falta do hormônio, o endométrio não é mais capaz de se manter e se desprende em forma de menstruação, composta por pedaços desse tecido
uterino e sangue. Após os 28 dias, o processo começa de novo, se repetindo todos os meses por cerca de 35 anos. Segundo a Dra. Marta Rehme, menstruar é saudável, mas não há mal caso a mulher
opte por parar de sangrar, utilizando algum tipo de método contraceptivo, por exemplo. “Na visão médica, a menstruação funciona como um indicativo para analisarmos o status hormonal e a
saúde da paciente. Caso ela não menstrue, precisamos investigar a causa para saber se ela está com alguma disfunção hormonal. Se a falta da menstruação não estiver ligada a nenhuma doença e
se, mesmo não menstruando, ela continua produzindo os hormônios necessários, não há problema em não sangrar. Ao emendar as cartelas de pílula, por exemplo, o corpo tem hormônios, o que
ocorre é que, como não há a pausa, não há a queda nas taxas desses hormônios, que é o que faria o endométrio descamar”, explica. No entanto, é importante ressaltar que o sangramento que
ocorre na pausa da pílula não é, tecnicamente, uma menstruação, apesar de ser chamada assim no senso comum. Isso ocorre porque o anticoncepcional impede a ovulação e, assim, o ciclo não
ocorre normalmente. O sangue, nesse caso, é chamado de sangramento por privação, referindo-se à retirada (privação) de hormônios na pausa da pílula. No caso dos DIUs, por exemplo, a ovulação
é mantida, então, o sangramento pode ainda ser considerado uma “menstruação comum”. É normal que a menstruação venha acompanhada de alguns sintomas como inchaço e retenção de líquido,
cólicas e dores de cabeça devido às mudanças na quantidade de hormônios no corpo. Existem situações em que o fluxo intenso ou cólicas fortes podem ser sinal de doença, mas, segundo a
ginecologista, em 90% dos casos é algo normal do ciclo. “A cólica está ligada às substâncias inflamatórias normais liberadas pelo organismo, especialmente as células do endométrio. Quando o
endométrio começa a descamar, as células se fragmentam e liberam a prostaglandina, que serve para promover a contração dos vasos sanguíneos e dos músculos uterinos para conter o fluxo
menstrual. No entanto, por ser uma substância inflamatória, causa dor. Por isso boa parte das pacientes que têm cólicas, tomam anti-inflamatórios e respondem bem. É algo particular de cada
mulher”, afirma. TPM — É VERDADE OU MITO? Muita gente acredita que a Tensão Pré-Menstrual é um mito. O termo TPM, inclusive, se tornou quase uma forma de insultar mulheres cisgênero quando
não agem da forma como os homens esperam ou querem. Quem nunca foi questionada se estava na TPM quando se impôs ou discordou de alguém de forma mais dura? Apesar dessa banalização, a TPM é
real e atinge cerca de 80% dos menstruantes. Alguns deles são mais sensíveis às alterações hormonais, mas quase todos irão sentir algum dos 150 sintomas possíveis nesse período do mês, como
irritabilidade, inchaço, dor nos seios, tristeza, humor instável e maior vontade de comer doces. A TPM acontece na semana que antecede a menstruação, quando os níveis de progesterona e
estrogênio começam a cair. Essa queda afeta diretamente os neurotransmissores e, consequentemente, a produção de serotonina, o hormônio neurotransmissor que causa sensação de prazer. A Dra.
Marta Rehme explica que há três “formas” de TPM. A mais comum é a que os médicos chamam de molímen, que desencadeia sintomas leves e que não estão presentes em necessariamente todos os
ciclos. “Geralmente é aquela pessoa que, depois que menstrua, pensa ‘Então era por isso que eu estava irritada semana passada, estava de TPM’”, conta a médica. O segundo tipo é a Síndrome de
Tensão Pré-Menstrual (STPM), que atinge cerca de 20% das pessoas que menstruam. Nesse caso, a pessoa percebe todos os meses, sem exceção, os mesmos sintomas, que passam quando a menstruação
chega e não afetam fortemente a vida. O pior dos casos é a Síndrome Disfórica Pré-Menstrual (SDTPM), que atinge apenas 5% dos menstruantes. O diagnóstico é feito caso, em todos os meses,
sem exceção, a pessoa apresente pelo menos cinco sintomas intensos ligados à TPM. Esses sintomas, sejam físicos ou comportamentais, interferem muito na qualidade de vida, a impedindo de
trabalhar ou até de conseguir se relacionar com outras pessoas. “A paciente precisa ser muito bem orientada nesses casos, porque pode até desenvolver doenças mais graves, depressão ou
síndrome de ansiedade. A TPM é muito mal-interpretada, mas ela existe e é necessário que os médicos avaliem caso a caso para poder ajudar a paciente a ter mais qualidade de vida”, diz Dra.
Marta. MENOPAUSA É normal que a pessoa que menstrua entre no climatério a partir dos 40 anos. Esse período antecede a última menstruação, como é chamada a menopausa, e é quando os ovários
começam a falhar, diminuir a produção de hormônios e os ciclos podem se tornar mais irregulares. Os óvulos não são criados ao longo da vida: nós já nascemos com uma população fixa deles, que
vão sendo usados ao longo da vida reprodutiva até se esgotarem. “No nascimento, nós temos cerca de 300 óvulos, que vão viver nossa vida com a gente. A cada menstruação, um deles morre.
Quando esses óvulos vão acabando, a mulher começa a entrar no climatério”, explica Marta Rehme. A última menstruação, ou seja, a menopausa, deve chegar entre os 49 e os 55 anos. Quando se
menstrua precocemente, é mais provável que se entre na menopausa antes, já que os óvulos acabarão mais cedo. Já no climatério a produção de estrogênio diminui que, além de afetar a região
genital, com secura vaginal e diminuição da libido, atua nos ossos e nos vasos, aumentando a probabilidade de desenvolver osteoporose, além de causar ondas de calor. “No climatério, muitas
vezes, se discute com a paciente o uso da terapia hormonal com estrogênio e progesterona em doses baixas. Se não há antecedentes de doenças, especialmente câncer de mama na família, a
terapia ajuda essa mulher a passar por essa fase melhor, com menos sintomas. Nos primeiros 5 anos depois da menopausa há a perda de massa óssea, que nos preocupa bastante. Uma pessoa que já
não tinha uma massa óssea boa e perde rápido existe risco de fraturas, de osteoporose. É uma balança, algumas vezes ela vai receber o hormônio e vai melhorar, mas ele também pode
prejudicá-la em outras. Cada mulher vai reagir de uma forma. Há mulheres que passam de forma muito tranquila por essa fase”, finaliza a médica.