Covid-19 e futebol: jogadores e comissões expostos à contaminação e problemas de saúde

Covid-19 e futebol: jogadores e comissões expostos à contaminação e problemas de saúde

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Times catarinenses no Campeonato Brasileiro tiveram 61 atletas contaminados. Pesquisadores alertam que infectados, mesmo com sintomas leves da doença, devem fazer testes para evitar morte


súbita O goleiro do Brusque Zé Carlos, de 35 anos, começou sentindo uma dor de garganta. O quadro evoluiu com outros sintomas, e o teste para a Covid-19 deu positivo em meados de outubro. O


retorno aos gramados está sendo lento porque o atleta passa por uma bateria de exames para observar possíveis problemas no coração. “Tive bastante febre, 10% do pulmão afetado e uma


pneumonia. Fiquei bastante debilitado, emagreci seis quilos e perdi bastante força no corpo”, relata. Em um comunicado publicado na revista “Arquivos Brasileiros de Cardiologia”, com o


título “Esporte em Tempos de Covid-19: Alerta ao Coração”, pesquisadores advertiram que doenças cardiovasculares são uma das principais causas de mortes associadas à Covid-19. INFORMARAM


AINDA QUE A RETOMADA DO ESPORTE SEM UMA AVALIAÇÃO DO SISTEMA CARDIOVASCULAR DOS ATLETAS CONTAMINADOS PODE SER IMPRUDENTE, POSSÍVEL DE COLOCÁ-LOS SOB O RISCO DE MORTE SÚBITA. “Eventos


cardíacos podem ocorrer durante partidas, treinos ou mesmo em repouso, o que acarreta grande responsabilidade aos clubes e organizações esportivas, que devem resguardar a si e aos seus


integrantes, promovendo adequado rastreio de sequelas cardíacas, principalmente a miocardite”, alertam os seis pesquisadores que assinam o artigo científico, entre eles o médico do Vasco


Gama, Mateus Freitas Teixeira. Mesmo com sintomas “moderados” de covid-19, goleiro do Brusque ainda passa por avaliação cardiológica antes do retorno aos gramados   – Foto: Jefferson


Alves/Brusque FC 3/Divulgação/ND O texto publicado no dia 2 de outubro ainda destaca que são necessárias mais análises para que sejam criados protocolos realmente seguros. “Até o surgimento


destes [protocolos], deve-se considerar as evidências já existentes quanto à miocardite no atleta”, informa o estudo. Segundo Lucas Samrsla Bremm, médico do Brusque, que é ortopedista e


traumatologista, no início de outubro a CBF (confederação Brasileira de Futebol) passou a orientar que os atletas que tiveram quadro clínico moderado passassem por avaliação cardiológica


antes do retorno. Foi enviado aos médicos um artigo da Jama Cardiology, cujo título é “Doença por coronavírus 2019 e o coração atlético – Perspectivas emergentes sobre patologia, riscos e


retorno ao jogo”, na tradução livre para o português, publicado também em outubro. O artigo sugere uma série de procedimentos para o retorno dos atletas, em várias modalidades. Zé Carlos se


encaixa no perfil “sintomas moderados”. “Nesses casos é indicado que se façam exames cardiológicos, onde é feito um ecocardiograma, um eletrocardiograma e se mede uma enzima cardíaca, por


meio de uma coleta de sangue. Se os resultados dos exames forem normais, ele está liberado para voltar. Se der uma alteração, é necessário aprofundar a investigação para verificar se tem uma


repercussão cardíaca”, explica o médico do Brusque. Dois exames deram normais e o clube ainda está aguardando um deles ficar pronto para avaliar as condições do goleiro. O Brusque teve


cinco casos de Covid-19 entre os atletas, três deles no Brasileiro. E perdeu o médico ortopedista André Karnikowski, de 54 anos, em agosto. “Perdi um amigo e sócio. Era médico do clube havia


25 anos e meu sócio da clínica. Tínhamos uma amizade de anos. Foi uma surpresa muito grande para todo mundo. Foi muito rápido. Ele ficou doente, foi para UTI e não conseguiu se recuperar.


Era muito querido na cidade toda, não tinha inimigos, praticamente. Todo mundo gostava dele, tinha uma carisma muito grande”, lamenta Bremm. Quando foi internado, Karnikowski pediu ao amigo


e sócio para que ficasse no clube como médico interino, já que tinha experiência com futebol. “Quando ele estava hospitalizado, ele pediu que eu fizesse o cobrisse como médico temporário até


ele retornar. Infelizmente não conseguiu sair do hospital”, explica. PRIMEIRA MORTE ENTRE JOGADORES FOI NA BOLÍVIA O primeiro caso de um jogador que morreu em decorrência da Covid-19


ocorreu em maio, na Bolívia. A Federação Boliviana de Futebol comunicou o óbito de Deibert Román Guzmán, de 25 anos, que defendia o Clube Universitário de Beni, da segunda divisão do


campeonato nacional. No Brasil, não há registro de morte de jogador profissional, mas há casos mais graves em outros trabalhadores dos clubes. Além do médico do Brusque, o massagista do


Flamengo, Jorge Luiz Domingos, também morreu por complicações do vírus. Um dos casos mais grave no Brasil ocorreu na Chapecoense. Líder da Série B do Campeonato Brasileiro, o Verdão do Oeste


empatou com o CSA, na Arena Condá, no dia 27 de outubro. Mesmo com o resultado, a partida teve um significado especial para Roberto Heuchayer Santos de Araújo, 29 anos. O jogador retornava


aos gramados após ter Covid-19. “Foi um ano difícil pra mim. Fiquei com todos os sintomas e até com falta de ar em uma madrugada”, relatou a um repórter da TV após o jogo. “Até falaram para


o professor que em 2020 não jogaria mais porque fiquei com 40% do pulmão comprometido. Mas _tô_ aí, dando a vida agora. Tive a oportunidade de continuar ajudando”,  relatou Araújo. Roberto,


da Chapecoense precisou de internação após contaminação por covid-19- Foto: Reprodução em rede social/ND Ao jornal Lance, o jogador contou o drama que passou. “Foi um desafio, porque é uma


situação que você não tem o que fazer, tem que esperar o vírus e pedir a Deus para melhorar. Foi muito difícil para mim, para a minha esposa, que também pegou [Covid-19], e para o meu filho.


Foi bastante complicado, mas graças a Deus saí dessa e me recuperei bem”, descreveu. Quando estava internado, o atleta compartilhou uma imagem em uma rede social e escreveu: “Maior desafio


da vida”. A reportagem solicitou uma entrevista com o jogador e com um médico do clube, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Aquele jogo é um dos momentos que sintetiza os


desafios do futebol profissional em meio à pandemia – e não só pelo caso de Roberto. A partida, marcada inicialmente para 18 de agosto, fora adiada porque 18 jogadores do CSA haviam testado


positivo para o novo coronavírus. FALTA DE TRANSPARÊNCIA NOS DADOS; PESQUISADOR QUESTIONA PROTOCOLOS DA CBF Atualmente, com base em um entendimento do STJD (Superior Tribunal de Justiça


Desportiva), a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) adia jogos apenas quando uma equipe tem menos de 13 atletas disponíveis. No caso do Campeonato Brasileiro, os clubes são obrigados a


realizar antes de cada partida testes RT-PCR, que detecta o vírus, e informar à federação. Apesar do registro de casos grave de Covid-19, como no caso do jogador Roberto, da Chapecoense, de


surtos que atingiram clubes, incluindo treinadores e integrantes das comissões técnicas, como ocorreu no Figueirense, ainda falta transparência sobre os dados da CBF e das federações


estaduais. Isso pode impedir uma análise sobre medidas que possam proteger a saúde dos jogadores com protocolos mais rigorosos para evitar a contaminação. A reportagem solicitou o número de


casos de Covid-19 para a CBF e para a FCF (Federação Catarinense de Futebol), mas não obteve retorno. Os dados mais atuais são de 23 de setembro, quando a CBF divulgou um informe com números


de casos de Covid-19 nas Séries A, B e C. Na ocasião, dos 9.690 testes realizados em 1.939 jogadores e treinadores antes de 236 partidas, 182 foram positivo – 1,9% dos casos. A notícia da


CBF não destacou o percentual de jogadores que foram infectados: 9,3%. Os números também não permite que se saibam quais os casos em cada time, jogadores ou partidas. Professor titular do


Cefid (Centro de Ciências da Saúde e do Esporte) da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), Alexandro Andrade questiona os protocolos de segurança usados antes dos jogos. “Veja que


há clubes com poucos casos de covid-19 e outros com mais casos. Infelizmente, no Brasil, há uma parcela significativa da população e também no futebol que negou desde o início a seriedade


desta pandemia e desconsiderou os graves problemas de saúde que ele pode causar, como sequelas e mortes. E SE OS PROTOCOLOS DE SEGURANÇA SÃO BEM ESTABELECIDOS E CONTROLADOS, O QUE EXPLICA


TANTOS CASOS?”. CONFIRA ABAIXO, A ENTREVISTA COMPLETA COM O PESQUISADOR. CBF DIZ QUE CONTROLA INFECÇÃO NAS PARTIDAS E QUER VOLTA DAS TORCIDAS NOS ESTÁDIOS Mas no comunicado da CBF, o


presidente da Comissão Nacional de Médicos do Futebol (CNMF), Jorge Pagura, salientou e eficiência dos protocolos. “Desde o primeiro momento, a CBF vem tratando o cenário com extremo


cuidado, sempre equilibrando as necessidades do mundo do futebol com a realidade que estamos enfrentando nessa pandemia. Esses dados mostram uma evolução na eficiência do protocolo, que


segue com o objetivo de dar segurança sanitária a todos os envolvidos na realização das partidas”, avalia. Em agosto, em audiência na Câmara dos Deputados sobre o retorno dos jogos e das


torcidas nos estádios, o secretário-geral da CBF, Walter Feldman, fez questão de destacar a importância econômica do futebol profissional. Segundo o dirigente, são 156 mil trabalhadores e um


movimento de R$ 54 bilhões por ano no Brasil. Na ocasião, Feldman também anunciou um contrato de direitos de transmissão com 84 países para os jogos das séries A e B. Desde então, os clubes


e a entidade articulam a volta dos torcedores. No dia 22 de setembro, o aval chegou do governo federal. O Ministério da Saúde aprovou estudo da CBF de volta de até 30% de torcida aos


campos. Ainda não há uma data definida, mas assim como nas controle sanitário da doença no país, o Executivo repassou a responsabilidade para que cada estado e município realizem seus


protocolos e adotem medidas sanitárias apropriadas para receber torcedores. Partidas adiadas, jogos que talvez deveriam ter sido adiados, testes que ficaram prontos em cima da hora, surtos


em clubes, como ocorreu no time da alvinegro de Florianópolis em outubro, aumento de lesões e os riscos cardíacos para os atletas. Esses são alguns desafios do futebol em meio à pandemia, o


tema de mais uma reportagem da série “Covid-19 em Dados”, uma iniciativa do ND+ com o patrocínio do Google sobre a pandemia do novo coronavírus. Clique aqui e confira a página especial do


projeto com todas as reportagens. PARTIDA NA ITÁLIA CRIOU “BOMBA BIOLÓGICA”, AFIRMA PREFEITO DE BÉRGAMO O futebol, assim como a maioria das atividades não essenciais, parou no início da


pandemia, tanto no Brasil como em diversas partes do mundo. Antes, porém, pode ter ajudado a disseminar o vírus. No fim de março, Giorgio Gori, prefeito de Bérgamo, uma das cidades italianas


mais afetadas pelo coronavírus, disse que um jogo da Liga dos Campeões foi “uma bomba biológica” para disseminar o coronavírus. A partida entre Atalanta, clube de Bérgamo, e Valencia, no


dia 19 de fevereiro, foi realizada em San Siro, em Milão, porque não pôde ser jogada na casa dos anfitriões. “Naquela época, não sabíamos o que estava acontecendo. O primeiro paciente na


Itália foi diagnosticado em 23 de fevereiro. Se o vírus já estava em circulação, os 40 mil torcedores que foram ao estádio San Siro foram infectados”, disse o prefeito. “Ninguém sabia que o


vírus já estava circulando entre nós. Muitos assistiram ao jogo em grupo e houve muito contato naquela noite. O vírus foi transmitido de um para o outro”, comentou. No Brasil, depois de uma


certa hesitação, com partidas realizadas sem torcida e reclamação de técnicos e jogadores, a CBF suspendeu as competições nacionais sob sua coordenação no dia 16 de janeiro, mesmo dia que a


FCF parou o Campeonato Catarinense. Teve início, então, discussões sobre como desenhar um protocolo para o retorno das atividades, com medidas de higiene, distanciamento social e testagem


dos atletas. O primeiro jogo no retorno do futebol no Brasil foi entre Flamengo e Bangu, no dia 18 de junho, pelo Campeonato Carioca. A vitória por 3 a 0 dos rubro-negros ocorreu no mesmo


dia em em que o hospital de campanha do Maracanã registrou duas mortes pela Covid-19. Já o Brasileiro iniciou em 8 de agosto e contou com uma polêmica na primeira rodada. Os testes


realizados pelo Goiás apresentaram problemas e tiveram que ser refeitos – os resultados chegaram momentos antes da partida, com 10 casos positivos. O clube goiano só conseguiu adiar a


partida no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva). A partir dali, houve mudanças nos protocolos. A principal delas é que os resultados devem ser enviados até 24h antes da partida


pelo clube mandante e até 12h antes da viagem pelo clube visitante. O médico Luis Fernando Funchal, coordenador da equipe médica do Avaí, participou da elaboração do Guia Médico elaborado


pela CBF. “É importante que os protocolos mudem, até porque o entendimento da doença muda. Hoje já tem um protocolo bem estabelecido, que evoluiu. É usado o RT-PCR, o exame molecular, que é


feito antes de cada partida”, diz. Antes dos jogos, é necessário ainda que o clube preencha um questionário em um sistema da CBF com informações sobre sintomas e medição de temperatura de


cada atleta, além de anexar um PDF com o exame RT-PCR. FIGUEIRENSE E CHAPECOENSE TIVERAM SURTOS Todos os times catarinenses que jogam as séries B, C e D registraram casos de jogadores com


coronavírus. Avaí, Figueirense, Criciúma, Brusque, Joinville, Marcílio Dias e Tubarão contabilizaram 61 atletas contaminados desde o retorno dos jogos (VEJA DETALHES NA TABELA). Em um


boletim médico, A CHAPECOENSE INFORMOU TER TIDO 26 COLABORADORES COM COVID-19 – MAS NÃO ESPECIFICOU QUANTOS ERAM JOGADORES. Nesse número não estão incluídos membros da comissão técnica,


funcionários e diretores ou mesmo parentes de atletas, que também se infectaram. O Campeonato Catarinense retornou as atividades em 8 de julho. Dias depois foi suspenso por duas semanas


devido ao número de casos de coronavírus, principalmente da Chapecoense e Figueirense. Em termos de números, um dos piores cenários ocorreu no Figueirense, durante a Série B. Em 12 dias de


outubro, 21 casos de Covid-19 foram confirmados: 15 atletas e seis membros da comissão técnica, entre eles o treinador Elano Blumer. A reportagem solicitou uma entrevista com um médico do


clube e com um jogador, mas não obteve resposta. Arte: Rogério Moreira Júnior/ND O primeiro sinal do surto ocorreu no dia da partida contra o Avaí, 29 de setembro. Antes do jogo, uma nota do


clube informou que o volante Geovane havia sido retirado da lista dos relacionados para o clássico por ter apresentado sintomas – ele chegou a concentrar com a equipe. Já no dia 1º de


outubro o clube confirmou quatro casos de Covid-19, dois atletas e dois membros da comissão técnica. Além de Geovane, havia o lateral-esquerdo Sanchez, que esteve em campo na partida contra


o Avaí. Cinco dias depois, perdeu por 3 a 0 para o CSA, em Alagoas. Antes da partida, o clube contabilizou pelo menos cinco atletas positivados para a Covid-19. No dia 13, o presidente do


clube, Norton Boppré, creditou ao jogo contra o CSA o momento “divisor de águas”. “Toda comissão técnica voltou com coronavírus, atletas, membros da diretoria, enfim, não sei se devemos


caracterizar como um erro”, disse o presidente em uma entrevista coletiva. Afirmou não saber precisar o foco do surto. “O clube tem tomado todas as providências para que não haja essa


recorrente infecção para o coronavírus. As providências têm foco na eliminação desse processo. O Figueirense tem tomado todos os cuidados, mas os efeitos da pandemia nos surpreendem


diariamente”, explicou Boppré. O Figueirense tentou adiar duas partidas devido ao surto de coronavírus: contra o Sampaio Corrêa, no Maranhão, e contra o Brasil de Pelotas, em Pelotas. Os


pedidos foram negados. A CBF baseia-se em uma determinação do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) em que, se o clube tiver 13 atletas aptos a entrarem em campo, a partida marcada


está automaticamente confirmada. Atualmente, não há casos de contaminados no clube. AVAÍ TEVE POUCOS CASOS DE COVID-19 E MUITAS LESÕES Dos três clubes catarinenses que estão na Série B do


Brasileiro, o Avaí foi o que teve menos casos de Covid-19 na temporada: 10, sendo que cinco testaram positivo no retorno das atividades, antes do recomeço do Estadual. E assim como vários


outros times do Brasil e mesmo do exterior, o Leão da Ilha sofreu com outro problema: o alto número de lesões. Atacante do Avaí foi um dos cinco contaminados no time da capital e teve os


principais sintomas da doença como dor de cabeça e nos olhos, falta de ar, diarreia, tosse, perda do olfato. – Foto: Frederico Tadeu/Divulgação/ND Segundo o coordenador médico do Avaí, Luis


Fernando Funchal, cinco atletas foram diagnosticados com covid-19 quando retornaram para os treinamentos, após a paralisação do Catarinense. Quatro deles, inclusive, testaram positivo no


exame sorológico, que detecta se uma pessoa está imunizada para a doença. “São atletas que se contaminaram em suas casas no período do afastamento. Ou seja, tiveram Covid-19 antes e chegaram


imunizados. Já no Brasileiro foram cinco casos”, explica Funchal. Os cinco casos ocorreram em outubro, assim como o de um auxiliar técnico. De acordo com o médico, não foi possível detectar


como eles foram infectados. “É difícil saber onde se contaminaram, já que vivemos em uma pandemia. Pode ter sido em uma padaria, no supermercado, num hospital, na rua”. Na visão de Funchal,


o clube tem tido sucesso no controle da covid-19. Diz que uma das preocupações é com os oligossintomáticos, aqueles que apresentam sintomas muito leves, como uma leve dor muscular. “O


importante é o oligossintomático, ficar alerta àquele que está começando a ter sintomas. Talvez o sucesso que temos no clube em ter poucos casos é que se alguém ficou oligossintomático a


gente manda para casa. Não deixa aparecer no clube”. Com a doença confirmada, o jogador vai para casa fazer quarentena e é monitorado. É sugerido que faça isolamento social em sua


residência. O Avaí não registrou casos de familiares que tenham contraído a doença e, se alguém tivesse o sintoma, seria testado, diz Funchal. O atacante Jonathan, de 21 anos, foi um dos


atletas que teve Covid-19 no Brasileiro. Estava se recuperando de um procedimento cirúrgico no joelho e sequer estava sendo relacionado para as partidas. “Tive bastante dor de cabeça, dor


nos olhos, um pouco de falta de ar, diarreia, tosse, perdi o olfato. Tive os sintomas depois do teste. Foi bem difícil porque você não consegue dormir, descansar”, conta. “Fiquei isolado com


minha namorada. Ela já tinha tido Covid-19 havia dois meses e ficou comigo para me ajudar”. Lesões tem sido um problema no futebol durante a pandemia. “Jogamos pouco jogos e já tivemos 31


lesões musculares. É um volume extraordinário. É mais de uma lesão por jogo”, explicou Funchal. O grande problema teria sido a longa parada. “Por mais que tentamos manter um nível de


treinamento, a grande maioria dos atletas chegou bem destreinado. Um atleta perdeu em média entre 20 e 25% do condicionamento mesmo mantendo o treinamento por videoconferência”, diz. “MINHA


MAIOR PREOCUPAÇÃO É COM O FUTEBOL AMADOR”, AFIRMA PROFESSOR  DA UFSC Quando o assunto é esporte em meio à pandemia, os holofotes costumam se direcionar às modalidades de alto rendimento,


sobretudo o futebol. Juliano Fernandes da Silva, membro do NUPEDEFF (Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento do Futebol e do Futsal) do Centro de Desportos da UFSC (Universidade Federal de


Santa Catarina), no entanto, alerta para os riscos do futebol não profissional. “Minhas maior preocupação está no futebol que não está ligado aos clubes. A questão do futebol amador muitas


vezes não é vista”, diz o professor. Além de esses jogadores não fazerem testagem, há riscos envolvidos. “Geralmente são pessoas mais velhas, acima do peso e que já se enquadram muitas vezes


no grupo de risco. Essa é uma questão bem delicada. Obviamente chama muito a atenção quando um clube está com um número de infectados alto. Mas identificou porque tem condição de testagem.


E os quantos que não são testados?”. Fora os testes, os atletas de clubes profissionais têm acompanhamento médico. A volta do esporte recreativo em Santa Catarina, onde está inserido o


futebol amador, ocorreu em setembro, após uma reunião entre o secretário de Estado da Saúde, André Motta Ribeiro, e representantes dos campos de futebol _society._ O protocolo sanitário,


definido pela portaria 664, prevê uma série de regras. Só pôde voltar na regiões que não estivessem com “risco gravíssimo” – atualmente apenas a Grande Florianópolis encontra-se neste


patamar. Todos os atletas devem usar máscaras até o início do jogo e as rodas de aquecimento e confraternizações antes e após o jogo, assim como o cumprimento físico, estão proibidos.


ENTREVISTA _“DISPUTAS E JOGADAS SÃO MOMENTOS DE ALTÍSSIMA PROBABILIDADE DE CONTAMINAÇÃO”, AVALIA_ PESQUISADOR DA UDESC Professor titular do Cefid (Centro de Ciências da Saúde e do Esporte)


da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina, o professor Alexandro Andrade publicou, junto com colegas e alunos, mais de 200 artigos na carreira. Em junho, um deles se tornou notícia,


usado como base para uma reportagem no New York Times, com o título “Qual o futuro das aulas de exercício em grupo?”. Publicado no periódico internacional Environmental Science and


Pollution Research, em 2018, era resultado de uma pesquisa do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (Lape) com os doutores Fábio Dominski e Carla Liz, da UDESC, Marcelo


Pereira, do IFSC, e Giorgio Buonanno, da UNICAS Itália. Professor da Udesc diz que jogos de futebol colocam jogadores e suas famílias “sob grave risco” de prejuízos à saúde – Foto:


Udesc/Divulgação/ND Redução do tamanho das turmas, uso de máscaras e demais proteções faciais durante as atividades e, quando possível, a realização das aulas ao ar livre, em locais com


ampla circulação de ar, foram algumas medidas sugeridas pelo professor para evitar contaminação pelo vírus. Ao portal da Udesc, o pesquisador informou que ficou de fora algo importante:


“Andrade destaca que, embora não tenha sido citado pelo NYT, o aspecto mais importante nos ambientes internos das academias é o sistema de ventilação, que deve garantir renovação constante


do ar. ‘Salas fechadas ou pouco ventiladas são ambientes de alto risco neste contexto da pandemia”’, destaca o professor. O laboratório também passou a fazer pesquisas sobre impacto da


pandemia e do isolamento social sobre a saúde mental de atletas e da população em em geral, com estudos no Brasil e na Europa, e alguns dados de atletas profissionais de futebol no Brasil.


NESTA ENTREVISTA POR E-MAIL_, __ANDRADE ANALISA ESPECIFICAMENTE O FUTEBOL DENTRO DO CONTEXTO DA PANDEMIA._ COMO O SENHOR AVALIA O RETORNO DO FUTEBOL DURANTE A PANDEMIA? _Creio que há


pressões sobre todos os atores, dirigentes, atletas, patrocinadores e público. Todos desejam retornar à normalidade, aos negócios, ao lazer e às competições. É compreensível, mas isso levou


a decisões de retorno ou distanciamento diferentes, com protocolos diferentes. Veja que há clubes com poucos casos de Covid-19 e outros com mais casos. Infelizmente, no Brasil, há uma


parcela significativa da população e também no futebol que negou desde o início a seriedade desta pandemia e desconsiderou os graves problemas de saúde que ele pode causar, como sequelas e


mortes. E se os protocolos de segurança são bem estabelecidos e controlados o que explica tantos casos?_ HÁ RISCOS PARA OS JOGADORES E PARA A COMISSÃO TÉCNICA? QUAIS? _ Sem dúvida! Uma


pessoa contaminada, assintomática, pode transmitir o vírus. Imagine um atleta ou dirigente que, tendo contato externo com o vírus e se contaminando, e sem febre, dor ou outros sintomas,


tenha relações próximas e contato com outros membros da equipe. Irá transmitir o vírus. Como o futebol é um jogo de contato físico intenso, direto, obviamente durante o jogo as disputas e


jogadas são momentos de altíssima probabilidade de contaminação._ _Tanto pelo contato físico, havendo contato com material contaminado nos olhos, nariz ou boca, quanto pela respiração de


gotículas no ar, que carregam partículas que podem levar o vírus, o jogo de futebol favorece este tipo de proximidade, contato e portanto contaminação._ _Me chama a atenção como alguns


clubes de futebol apresentaram, em meio a pandemia e ao campeonato, diversos atletas e dirigentes infectados com Covid-19. Esse fato é algo muito grave, que coloca diretamente estas pessoas


e suas famílias sob grave risco de prejuízos à saúde, o que deveria ser inadmissível. Risco de contrair um vírus mortal e que pode deixar sequelas graves. Sabemos pouco sobre este vírus e as


consequências de médio e longo prazo desta doença_ _Infelizmente, no Brasil, quase que se naturalizou os números, veja que são mais de 5,5 milhões de contaminados, dezenas de milhares de


novos casos por dia e quase 160 mil mortos [número já ultrapassado após a entrevista]. É uma tragédia sem precedentes!_ _Por outro lado, muitos gestores minimizam isso diante dos graves


problemas e dificuldades econômicas causados pelo confinamento social, o desemprego e a economia. Some isso ao fato de que há milhares de jovens e adultos simplesmente descuidando de sua


segurança, participando de aglomerações em bares, restaurantes e eventos – esse comportamento explica boa parte dos números. O Brasil está entre os líderes negativos na pandemia._ Os


protocolos que estão sendo seguidos estão corretos? _Não posso avaliar cada clube e cada situação particular. O fato que todos devem estar cientes é: não havendo isolamento e distanciamento


social de membros da equipe e sem testagem adequada, um atleta ou dirigente contaminado pode colocar em risco não apenas a equipe como outros atletas de outras equipes em disputa e


consequentemente suas famílias. No curto prazo, o atleta vai e joga. No médio prazo, os prejuízos são enormes._ Outras medidas poderiam ser tomadas? _Creio que há bons modelos e experiências


que foram testadas como na NBA com a bolha. O isolamento dos atletas e equipes técnicas foi profissional e rigoroso! Até familiares foram separados e proibidos de frequentar a bolha.


Resultado excelente, apesar das críticas de alguns atletas e dirigentes._ _No Brasil, se decisões forem tomadas privilegiando política, eleições, ideologia ou economia, o preço é a


proliferação do vírus no esporte e as consequências e prejuízos vão ocorrer. No esporte a prioridade deve ser rigor absoluto na testagem, distanciamento, controle diário. Mas isso deve


ocorrer em todas as equipes, com todos. Quem controla isso?_ Como o senhor avalia a possível volta das torcidas aos estádios? _Teoricamente sempre é possível pensar num modelo de retorno. A


questão é que a realidade de nosso futebol e os problemas do negacionismo da ciência, da pandemia e a desinformação que tem sido veiculada em rede social fazem com que muitos não levem a


sério os riscos. _ _Um protocolo de retorno deveria envolver:_ _Distanciamento dos torcedores nas filas de entrada no estádio, entre as cadeiras. Mas e nos ônibus, transportes públicos,


bares em torno dos estádios etc, que controle teria de distanciamento e uso de máscaras e álcool gel? _ _Uso permanente de máscaras. Mas como controlar isso, já que muita gente usa a máscara


de forma errada cobrindo a boca mas deixa o nariz livre inspirando e expirando ar (contaminado?) ou mesmo aqueles que simplesmente deixam a máscara no pescoço como adereço? _ _Uso de álcool


gel. Álcool disponível aos torcedores (no estádio?)_ _Jogos sem venda de bebidas e comida para evitar aglomeração na hora da compra e de comer. Isso será aceito? Se não, quem controla a


distância e a manutenção da máscara de todos?_ _O fator positivo nos estádios é o fato de serem ambientes abertos. Entretanto, diversas partes do estádio são ambientes em que o ar circula


pouco ou são fechados e podem acumular ar contaminado, por exemplo, bares, restaurantes, áreas superiores, banheiros etc, onde aglomeração é ambiente de alto risco de produzir contaminação


do ar._ _O problema maior me parece a pouca capacidade de controle de torcedores fora e dentro do estádio quanto às medidas rigorosas de auto proteção, do uso correto de máscaras, álcool


gel, distanciamento social e testagem, que podem provocar a seguinte situação: estádios não organizados e sem rigoroso controle dos fatores de risco se transformarem em locais de alta taxa


de contaminação, levando a doença para muito além dos estádios._ _Afinal, já não estamos vendo isso em várias situações e amostras em alguns clube. Muitos estádios tem estrutura limitada e


modesta. Não temos a mesma estrutura de controle da torcida que por exemplo, nos melhores estádios na Inglaterra, Alemanha. Quem quer pagar o preço e arriscar? Lembremos que o futebol é


gigante e uma paixão por que faz parte integrante de nossa vida. Ele pode levar bons exemplos e alegria, como maus exemplos e sofrimento._