Constituinte tomou posse há 50 anos para fazer a constituição

Constituinte tomou posse há 50 anos para fazer a constituição

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Eleita em abril, nas primeiras eleições livres realizadas em Portugal, a Assembleia Constituinte tinha como missão elaborar uma Constituição que se pretendia revolucionária e progressista.


Os trabalhos começaram com o presidente da Assembleia, Henrique de Barros, a lamentar o facto de o hemiciclo não estar suficientemente dotado de microfones para que cada deputado pudesse,


"sem dificuldade", usar da palavra do seu lugar. Apelou, por isso, para a compreensão dos parlamentares no sentido de ajudarem a deslocar os microfones existentes para junto dos


que pretendessem usar da palavra, uma vez que também não havia "funcionários bastantes para auxiliar" nessa tarefa. Entre os 247 deputados que responderam à chamada, encontravam-se


Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta (CDS), António Arnaut, Manuel Alegre, Etelvina Lopes de Almeida, Sophia de Mello Breyner, José Luís Nunes (PS), Francisco


Pinto Balsemão, Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Miranda, Helena Roseta (PPD), Otávio Pato, Carlos Brito e Jerónimo de Sousa (PCP). Américo Duarte, deputado da UDP, foi o primeiro a pedir a


palavra para lembrar que a missão da Constituinte era elaborar uma nova Constituição que deitasse fora a que vigorava "no tempo do terror fascista". Apresentou-se ao plenário como


"um explorado" e um operário de Portugal, para justificar determinadas posições, exortando a câmara a usar uma linguagem simples e clara e a referir-se sempre aos problemas do


povo. "A maioria dos deputados presentes nesta Assembleia são advogados, engenheiros, professores, médicos, etc...que frequentaram universidades e os liceus, que são inacessíveis à


grande maioria dos trabalhadores portugueses e mesmo uma grande percentagem nem na escola pôde andar", disse. Propôs ainda, numa das primeiras sessões, que o ordenado de deputado fosse


equivalente ao salário médio de um operário da indústria (5.500 escudos à época) e que os únicos subsídios possíveis fossem os de transporte e hospedagem para deputados com residência fora


de Lisboa ou de despesas "devidamente comprovadas" para contacto "com as massas populares, os seus anseios e as suas lutas". A Constituinte era a Assembleia de um povo


que estava "simultaneamente a fazer uma revolução", conforme declarou, naquele plenário, o deputado Luís Catarino, do MDP/CDE. Nas ruas, vivia-se o prelúdio do verão quente de 75.


Rebentavam bombas em Lisboa. Ao gabinete do presidente da Assembleia chegava numerosa "correspondência anónima", mas também mensagens de apoio, como as recebidas da Assembleia


Nacional da Jugoslávia, desejando "plenos sucessos nas atividades da Constituinte, no interesse do povo português", da Câmara dos Deputados da Venezuela, formulando votos para


"auspicioso processo político-social" ou da Assembleia Nacional da Tunísia, desejando sucesso e prosperidade. O Diário da Assembleia Constituinte, consultado pela Lusa na


Biblioteca Passos Manuel, na Assembleia da República, tem transcritas, ao pormenor, as intervenções dos deputados e as reações das galerias, de onde, não raras vezes, soavam vozes de apoio


ou de contestação ao decurso dos trabalhos. As primeiras intervenções, ainda muito marcadas por reminiscências do antigo regime, as perseguições políticas, a política colonial e a reação à


presença de deputados que integraram a Assembleia Nacional do Estado Novo, levaram a algumas advertências do presidente, em nome da ordem nas galerias, mas também dirigidas aos deputados, a


quem Henrique de Barros pedia para não deixarem que os debates se tornassem "apaixonados demais". "Façam o possível para conter as vossas paixões", pedia o presidente da


Assembleia aos constituintes. Durante a discussão do projeto de regimento para definir os moldes de funcionamento da Assembleia, travou-se o primeiro grande debate ideológico; deveria ou não


um órgão eleito para elaborar a Constituição dedicar-se apenas a essa tarefa ou ir mais além e levar para o parlamento outras questões, através de um Período Antes da Ordem do Dia (PAOD)?


Esgrimidos argumentos, o PAOD acabou por ficar instituído, dando expressão aos mais variados temas. Depois de vários contratempos, reflexo da convulsão social no país e que levou à suspensão


dos trabalhos, na sequência do cerco de 12 de novembro (por uma manifestação de trabalhadores), a Constituição da República foi finalmente aprovada por todos os partidos, à exceção do CDS,


no dia 02 de abril de 1976 para entrar em vigor a 25 de abril, exatamente dois anos após o golpe militar que derrubou o regime de Salazar e Caetano. Leia Também: Mudar a Constituição? Costa


Gomes alertou para "julgamento impiedoso"