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O título de “Ainda Estou Aqui” não poderia ser melhor para definir o sentimento de orgulho e festa do cinema brasileiro desde pouco antes das 11 horas de ontem, quando a produção de Walter
Salles foi anunciada em três categorias do Oscar – incluindo a de Melhor Filme, a principal da premiação mais importante da indústria hollywoodiana, um feito inédito para o país e também
para o continente sul-americano. Apesar de não ter superado o recorde de “Cidade de Deus”, que, em 2004, teve quatro nomeações (Diretor, Roteiro Adaptado, Montagem e Fotografia), sem ter
ganhado nenhum Oscar, as três indicações de “Ainda Estou Aqui” – com a quinta vez em que o Brasil é representado em Produção Internacional e a segunda em Melhor Atriz, com Fernanda Torres,
antecedida pela mãe, Fernanda Montenegro – têm um peso maior. Além de estarem no topo da premiação, entre aquelas que todo mundo vai comentar no dia seguinte à solenidade de entrega dos
troféus, que acontecerá em 2 de março, as indicações chegam num momento especial, após a produção nacional ter sofrido um grande abalo no governo anterior, sem qualquer amparo institucional
e com a Agência Nacional de Cinema (Ancine) praticamente paralisada durante quatro anos. O cinema brasileiro parece dizer, em coro, “ainda estou aqui” – e numa situação tão emblemática da
política internacional, com a posse recente de Donald Trump, que promete defender com unhas e dentes o comércio norte-americano. O que pode significar embates duros no campo do
entretenimento, não só em torno das redes sociais, como também num maior protecionismo para o audiovisual do Tio Sam em terras estrangeiras. Questões importantes como taxação das plataformas
de streaming e cota de tela podem motivar quedas de braço entre governos, já que Trump sinalizou para medidas protecionistas e expansionistas. Os dez concorrentes ao Oscar podem muito bem
ser lidos como uma resposta à política trumpista. A maior parte dos indicados conta com tramas que se passam fora dos Estados Unidos ou com protagonistas estrangeiros. Filme de língua
estrangeira com maior número de indicações desta edição e da história do Oscar, com 13, “Emilia Pérez” acontece no México, país ameaçado por um desejo de anexação de Trump. Os personagens de
“O Brutalista”, outro grande favorito a levar a estatueta principal, são húngaros bem recebidos na América – só que a do século passado, quando o país ainda não tinha se fechado aos
imigrantes. Até mesmo uma produção de viés mais comercial como “Duna: Parte 2” tem em seu núcleo central uma rivalidade comercial entre dois povos que leva a uma grande guerra. E há “Ainda
Estou Aqui”, que trata da ditadura militar a partir da ótica de uma família brasileira feliz que sofre a perda do pai, levado e torturado por agentes da repressão. Fernanda Torres é a alma
do filme de Salles, merecidamente lembrada nas indicações. O anúncio da nomeação de Fernandinha 26 anos após a mãe perder a estatueta para Gwyneth Paltrow, do hoje ignorado “Shakespeare
Apaixonado”, foi climático por uma questão de diferença cultural, já que nos Estados Unidos as pessoas são chamadas pelo sobrenome. Quando os apresentadores Rachel Sennott e Bowen Yang
pularam de Cynthia Erivo para Karla Sofía Gascón, pode-se ouvir um “ahhh” nacional. Fernanda Torres foi o quinto nome divulgado, fechando uma lista que tem Demi Moore (“A Substância”) como
grande favorita, interpretando o papel da vida após cair em ostracismo. As melhores chances parecem estar na categoria de produção internacional, em que apenas “Emilia Pérez” parece fazer
páreo ao brasileiro. No principal prêmio, “O Brutalista” e, novamente, “Emilia Pérez” saem na frente.