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O México realizará suas primeiras eleições judiciais neste domingo (1º), com centenas de juízes, magistrados e desembargadores na disputa em todo o país. É uma votação inédita que os
apoiadores dizem que vai democratizar os tribunais, mas os críticos temem que isso possa torná-los mais suscetíveis à influência de políticos ou grupos criminosos. Quase 900 cargos federais
estarão em jogo, incluindo os nove assentos da Suprema Corte, além de cerca de 1.800 cargos locais em 19 estados. O evento de domingo será a primeira de duas fases de votação, com a segunda
prevista para 2027. A votação é resultado de uma reforma constitucional aprovada no ano passado, nas semanas finais do governo de Andrés Manuel López Obrador. Ele argumentava que a mudança
era necessária para combater a impunidade nos tribunais e dar aos eleitores uma maior participação no processo judicial. Porém, os opositores viram a medida como uma tentativa de López
Obrador de fortalecer o poder do seu partido no governo, o Morena, ao reformar justamente o Judiciário que frequentemente barrava algumas de suas propostas políticas. Críticos também temem
que, ao eleger juízes por voto popular, a independência dos tribunais possa ser comprometida, assim como sua capacidade de fazer cumprir a lei e conter outros poderes, especialmente em um
momento de crime e corrupção desenfreados. COMO O NOVO SISTEMA FUNCIONA Antes da reforma, os ministros da Suprema Corte eram indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado, enquanto os
juízes federais eram selecionados por uma comissão judicial por meio de exames e cursos que avaliavam os candidatos com base no mérito. No novo sistema, os candidatos federais serão eleitos
pelo público após serem avaliados e indicados por Comissões de Avaliação dos três poderes do governo. Ao contrário de outras eleições, os candidatos a cargos judiciais não podem ser
indicados ou apoiados por nenhum partido político, segundo a autoridade eleitoral do México. Eles também não podem receber financiamento público ou privado, o que significa que devem custear
suas próprias campanhas — uma regra que os apoiadores da reforma afirmam reduzir a influência de atores políticos, mas que os críticos dizem favorecer candidatos mais ricos. Os candidatos
também são proibidos de comprar anúncios de campanha na TV ou no rádio, mas podem se promover nas redes sociais, por meio de entrevistas e outros fóruns. Uma vez no cargo, os juízes eleitos
serão avaliados por um recém-criado Tribunal Disciplinar Judicial, que terá o poder de investigar e sancionar membros do Judiciário, exceto ministros da Suprema Corte e magistrados
eleitorais. Algumas dessas sanções incluem suspensões, multas, demissões e desqualificações. PREOCUPAÇÕES COM O CONTROLE POLÍTICO Embora as regras proíbam os partidos políticos de apoiarem
diretamente um candidato, os críticos alertam que eles ainda podem influenciar a eleição, incentivando os eleitores a escolher pessoas alinhadas aos seus interesses. A imprensa local
informou que alguns políticos e seus apoiadores foram acusados de distribuir panfletos com sugestões de voto. Poucos dias antes da eleição, o Instituto Nacional Eleitoral (INE), responsável
pela organização do pleito, afirmou estar investigando duas denúncias sobre o uso desses panfletos. “A lei é muito clara sobre quem não pode interferir nisso — nem governos de qualquer
nível, nem partidos políticos”, disse a conselheira do INE, Claudia Zavala, em entrevista à Milenio TV. A CNN entrou em contato com Zavala para obter mais informações. Outra preocupação é
que os partidos políticos possam, teoricamente, influenciar quais candidatos são indicados inicialmente. Se um único partido tiver controle sobre os três poderes do governo, que
supervisionam o processo de indicação dos candidatos, esse partido poderia influenciar quem aparece na lista de votação. “Atualmente, numericamente, quem detém mais influência sobre esses
poderes — especialmente o executivo e o legislativo — é o partido Morena”, disse Stephanie Brewer, diretora para o México no Washington Office on Latin America. Há apreensão semelhante em
relação ao novo Tribunal Disciplinar Judicial, que tem a função de supervisionar os juízes em exercício. Brewer afirma que, se atores políticos conseguirem influenciar esse tribunal, eles
poderiam exercer pressão sobre os juízes que ele supervisiona. INFLUÊNCIA DOS GRUPOS CRIMINOSOS Um dos maiores receios apontados por grupos de direitos humanos é que as eleições também
possam ser influenciadas por grupos criminosos. Em eleições anteriores, cartéis mexicanos usaram a violência para influenciar o resultado — frequentemente atacando ou assassinando candidatos
que eram contra seus interesses. No ano passado, o país registrou um número recorde de vítimas de violência político-criminal, com a organização de direitos humanos Data Cívica relatando
661 ataques a pessoas e instalações. Muitas das vítimas ocupavam ou concorriam a cargos municipais. Este ano, o think tank México Evalúa alertou que oito estados correm alto risco de
violência político-criminal nas próximas eleições judiciais, afirmando que é “altamente provável que, por meio da violência, o crime organizado tente dominar os poderes judiciais,
especialmente em nível local.” Vários ataques políticos foram registrados nas semanas que antecederam as eleições, embora a maioria tenha envolvido candidatos a prefeitos. Miguel Meza, do
grupo de direitos humanos Defensorxs, diz que ainda não viu ataques contra candidatos judiciais, mas que outros riscos permanecem. “Os cartéis podem identificar possíveis vencedores e
oferecer apoio em troca de lealdade”, afirmou, lembrando que ações assim já ocorreram antes e, embora não tenham sido vistas nesta eleição, “em outras, podem se intensificar”. O Defensorxs
também levantou dúvidas sobre alguns candidatos judiciais. Embora muitos tenham ampla experiência na área, o grupo identificou que alguns estão “ligados ao crime organizado, delitos sexuais,
seitas político-religiosas e outras irregularidades”. Um deles cumpriu quase seis anos de prisão nos EUA por crimes relacionados a drogas, após ser acusado de contrabandear mais de quatro
quilos de metanfetamina, segundo a Reuters. O candidato afirmou no Facebook que enfrentou um processo judicial “injusto” e que “seguiu em frente”. Outro candidato foi advogado de defesa que
integrou a equipe que representou o narcotraficante Joaquín “El Chapo” Guzmán em 2016, decisão que ele defende dizendo à AP que “todos têm direito a uma defesa eficaz”. Meza disse que seu
grupo fez denúncias ao INE contra alguns desses candidatos, mas foi informado de que as autoridades eleitorais não podem invalidar candidaturas neste momento. Caso algum deles vença, o grupo
foi informado de que poderá tentar contestar a vitória no tribunal eleitoral. A CNN entrou em contato com o INE para obter mais informações. O QUE DIZ A POPULAÇÃO Uma pesquisa do Pew
Research Center revelou que a maioria dos mexicanos aprova a reforma judicial. Embora a medida tenha provocado protestos em setembro, quando o Congresso votava o projeto, 66% dos
entrevistados no início deste ano disseram apoiar a reforma, com aprovação maior entre os apoiadores do Morena e jovens adultos. Ainda assim, a eleição judicial enfrenta fortes críticas de
grupos de oposição. O ex-presidente Vicente Fox, do partido PAN, pediu que as pessoas não votem no domingo. “A eleição judicial não é democrática. É uma farsa, uma enganação... Não vá. Não
perca seu tempo”, afirmou ele no X. Diversas organizações civis e figuras da oposição indicaram que vão boicotar a votação de domingo, e algumas convocaram um protesto nacional no dia da
eleição. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, rebateu esses apelos, incentivando os mexicanos a participarem do processo eleitoral e escolherem quem fará parte do Judiciário. “É melhor
que milhões de pessoas votem do que o presidente e o Senado da República decidam”, disse ela.